Deputados alemães criticam projetos que afetam indígenas

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Em carta aberta, membros do Parlamento alemão manifestam preocupação com dois projetos em tramitação no Congresso brasileiro que liberam mineração em terras indígenas e alteram regras de demarcação.

Um grupo de 29 parlamentares alemães enviou nesta segunda-feira (04/04) uma carta aberta aos membros do Congresso brasileiro expressando preocupação em relação a dois projetos de lei em tramitação que afetam diretamente povos indígenas.

Os parlamentares pedem especificamente a rejeição do PL 191/2020, que visa “liberalizar a mineração e a produção de energia hidrelétrica em territórios indígenas”, e do PL 490/2007, que prevê a transferência da demarcação de territórios indígenas do Executivo para o Legislativo.

O último projeto também busca instituir a controversa tese marco temporal para que sejam demarcadas apenas terras que já estavam oficialmente ocupadas por indígenas até a data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.

Segundo a carta dos deputados alemães, a aprovação dos projetos “representaria uma enorme ameaça aos direitos dos povos e comunidades indígenas e tradicionais do Brasil”.

A carta, enviada por iniciativa do Partido Verde como “um apelo” dos parlamentares alemães aos seus pares no Brasil, foi assinada por representantes de todos os partidos no Bundestag (Parlamento Alemão), com exceção da legenda de ultradireita AfD.

Cópias foram endereçadas aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e para três ministérios: de Minas e Energia, da Família, e da Agricultura.

Os deputados alemães estão especialmente preocupados com a aprovação do regime de urgência para votação do PL 191/2020, que pode ser votado já em abril, “apesar dos protestos de organizações indígenas” e de “graves preocupações constitucionais”, apontam os membros do Bundestag. A urgência foi solicitada pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR).

“Sério retrocesso”

Membro da Comissão de Relações Exteriores do Partido Verde alemão, o deputado Max Lucks disse à DW Brasil que o projeto representa um “sério retrocesso para os direitos constitucionalmente garantidos” dos povos indígenas. Além disso, a própria proteção dessas áreas, que ajuda “a preservar a Amazônia”, também correria risco diante da nova legislação.

O parlamentar alemão lembra que “estudos confirmam que a Amazônia desempenha um papel fundamental no clima global e na biodiversidade”, e diz que a nova legislação pode “nos aproximar ainda mais do perigoso ponto de inflexão que acabará por desequilibrar o clima global”.

A votação imediata do PL 191/2020 conta com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, sob a justificativa de que a guerra na Ucrânia pode afetar o fornecimento dos fertilizantes importados da Rússia.

Segundo Bolsonaro, a exploração do potássio – um dos componentes dos fertilizantes – em terras indígenas poderia proteger a agricultura nacional. O argumento vem sendo contestado por diversos especialistas.

Deputados da oposição no Brasil também dizem que o verdadeiro interesse do governo seria liberar o garimpo na Amazônia.

Sinal de solidariedade aos movimentos sociais

Porta-voz da política de desenvolvimento dos Verdes da Alemanha, a deputada Deborah Düring disse à DW Brasil que a carta tem dois objetivos: pedir aos parlamentares brasileiros que respeitem os direitos dos povos indígenas “ao preservar seus ecossistemas únicos” contrariando “interesses econômicos de curto prazo”, e também enviar um sinal de solidariedade aos “movimentos sociais e organizações da sociedade civil”.

Para Düring, uma sociedade civil forte é fundamental para a democracia, mas ela está “sob pressão” em muitos países. “Defensores do meio ambiente e dos direitos humanos estão sendo ameaçados e assassinados – e nisso a América Latina ocupa, infelizmente, uma triste liderança”.

Ao selarem um acordo de coalizão em 2021, as três legendas que dividem o poder na Alemanha – Partido Social Democrata (SPD), Verdes e Liberais-democratas (FDP) – se comprometeram a fortalecer a sociedade civil na América Latina na luta contra governos populistas e autoritários.

“Interferência imperialista”

A deputada Deborah Düring diz conseguir entender que, muitas vezes, “o grande interesse” da Europa e dos Estados Unidos em proteger as florestas tropicais seja visto como “interferência imperialista”:

“Afinal, na Europa já cortamos nossas florestas primitivas há muito tempo e, como países industrializados, somos os grandes responsáveis ​​pelas mudanças climáticas”. Mas, segundo Düring, não se trata de Alemanha versus Brasil, porque “a crise climática afeta toda a humanidade”.

Para a deputada, a aprovação dos dois projetos de lei pode dificultar ainda mais o trabalho conjunto entre a Alemanha e o Brasil em termos de proteção ambiental e florestal. Ela lembra que na COP26, em Glasgow, o Brasil se comprometeu, junto com outros países, a parar o desmatamento até 2030.

Mas “as taxas de desmatamento continuam aumentando, e agora “tenta-se acenar com iniciativas como a PL 191, que visa legalizar a destruição da floresta tropical nas áreas que foram melhor protegidas até o momento”.

Na opinião da parlamentar verde, há pouca vontade política para proteção real das florestas. “Uma maior cooperação nesta área dependerá muito do resultado das eleições presidenciais no Brasil”, diz Düring.

Para ela, “é impressionante como um único presidente, em apenas quatro anos, conseguiu desmantelar tão sistematicamente o que antes era uma política ambiental relativamente boa”. Entre os exemplos, a parlamentar cita “as altas taxas de desmatamento, o número recorde de aprovação de agrotóxicos, e a violência cada vez maior contra indígenas e ativistas ambientais”.

A partir desta segunda-feira, grupos indígenas começam mais uma edição do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, convocado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Segundo o site da Apib, o acampamento vai acontecer “no mesmo período em que o Congresso Nacional e o Governo Federal pautam a votação de projetos que violam os direitos dos povos indígenas, como o PL 191/2020”.

O deputado Lucks diz que acompanha de perto iniciativas contra a aprovação do PL 191 no Brasil, como as do Acampamento Terra Livre. “As manifestações são sempre um importante indicador do estado de espírito do país. É preciso essa pressão da rua – isso é uma expressão da democracia.”

Na carta, os parlamentares lembram ainda que “tanto o Brasil quanto a Alemanha enfrentam desafios internos extraordinários devido ao agravamento da crise climática”. E dizem que a solução passa pelo “prosseguimento e aprofundamento” das relações bilaterais em relação à proteção e preservação dos biomas brasileiros, como Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica”.

Lucks lembra ainda que os Verdes fizeram questão de afirmar no acordo de coalizão que só vão ratificar o tratado entre a União Europeia e o Mercosul se forem assumidos previamente “compromissos vinculantes de proteção dos direitos humanos”, e se a preservação das áreas florestais estiver assegurada – o que é contrariado pelas legislações atualmente em debate, segundo o parlamentar.

Os signatários da carta também esperam que a iniciativa ajude a aumentar a pressão exercida por grupos da sociedade civil que estão se mobilizando no Brasil contra a aprovação dos dois projetos.

Fonte:     dw.com


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