‘O que está em jogo nas eleições presidenciais na Colômbia’

‘O que está em jogo nas eleições presidenciais na Colômbia’
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Neste domingo, os colombianos decidem se elegem o primeiro candidato de esquerda da história do país ou se optam pela continuidade da direita na Presidência.

O ex-guerrilheiro e senador Gustavo Petro, da coalizão Pacto Histórico, é o único de esquerda – ou de centro-esquerda – entre os seis candidatos à sucessão do presidente Iván Duque, no palácio presidencial Casa de Nariño, observaram analistas da Colômbia entrevistados pela BBC News Brasil.

Esta é a terceira vez que Petro, que é economista e foi prefeito de Bogotá, disputa a carreira presidencial.

“Na eleição passada, o segundo turno foi entre Duque e Petro e a direita se uniu para evitar a eleição de Petro e pela eleição do presidente atual”, lembrou o professor de ciências políticas Alejo Vargas Velásquez, da Universidade Nacional da Colômbia.

Ele entende, porém, que, nos últimos quatro anos, Petro se fortaleceu como líder da oposição e conseguiu canalizar a frustração de setores do eleitorado colombiano com a política e a exclusão socialGustavo Petro aparece na frente nas pesquisas de intenção de voto

“Essa é uma eleição muito importante para a Colômbia. Duque sai com uma popularidade baixa e reforça a necessidade social por mudanças”, disse a cientista política Luciana Manfredi, da Universidade ICESI, de Cali.

Boric

Como em outros países da região – caso do Chile, por exemplo -, a Colômbia também registrou fortes protestos sociais em 2019 e em 2021, levando alguns analistas a associarem a eleição do chileno Gabriel Boric ao possível desembarque, desta vez, de Petro na Presidência colombiana.

Mas, ao mesmo tempo, o presidenciável colombiano também encara altos índices de rejeição entre empresários e camadas das classes média e alta do país.

“Ele chamou empresários para conversar e muitos rejeitaram o convite”, disse o analista colombiano.

Entre as propostas do candidato ‘petrista’, como dizem os colombianos, está a cobrança de impostos aos mais ricos, inspirada nas suas conversas com o economista francês Thomas Piketty, segundo aliados do presidenciável.

Petro gera “simpatias na esquerda e muita antipatia na direita”, observou o professor de ciências políticas Víctor M. Mijares, da Universidade de los Andes.

Cinco pilares

Nesta eleição colombiana pelo menos cinco assuntos estão no centro do debate e do destino das políticas do país – além do pêndulo entre a esquerda, representada por Petro, e o restante de centro-direita e direita.

São eles: a relação da Colômbia com os Estados Unidos e com a vizinha Venezuela; o combate à pobreza; o tráfico de drogas; a violência de dissidentes guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que foram um grupo armado durante mais de 50 anos até a assinatura do Acordo de Paz, em 2016, e do grupo em vigor Exército de Libertação Nacional (ELN).

Militares e petróleo

Outros pilares do debate político atual são o petróleo – Petro criticou a dependência do país petroleiro nesta energia – e o suspense sobre a relação dos militares com o candidato de esquerda, caso ele seja eleito.

“Aqui não se pensa em golpe militar, mas como será a relação de setores militares e da polícia num possível governo de esquerda, liderado por Petro”, observou Vargas Velásquez.

Estados Unidos e tráfico de drogas

Em uma reportagem do jornal britânico Financial Times, publicada na semana passada, afirmou-se que “algumas das ideias (de Petro) ainda refletem o radicalismo da sua juventude”.

O jornal cita, entre outros, sua intenção de rever o acordo da Colômbia com os Estados Unidos “na guerra contra as drogas”.

De acordo com o analista Mijares, da Universidade de los Andes, a esquerda colombiana é contraria a aliança e a forma de combate dos dois países, realizada há anos, contra o narcotráfico colombiano.

Os outros candidatos são mais favoráveis à continuidade do sistema atual, disse. Para ele, a relação da Colômbia com a Venezuela, hoje diplomaticamente interrompidas, seriam retomadas num eventual governo Petro, o que não gera críticas unânimes internamente, já que os dois países têm laços tradicionais que envolvem comércio e imigração – estima-se que mais de dois milhões de venezuelanos vivem no território colombiano.

Colete à prova de balas

Francia Márquez, candidata a vice de Petro, denunciou ter recebido ameaças

Ameaçado de morte, durante a campanha, Petro usou colete à prova de balas nos comícios e prometeu um giro nas políticas interna e externa do país.

Sua candidata a vice-presidente, a líder social e ativista de direitos humanos Francia Márquez, que é afrodescendente, também denunciou ter recebido ameaças por ser mulher e negra.

A Colômbia tem um passado de violência política que inclui o assassinato de candidatos à Presidência.

“Os únicos que não cabem no nosso projeto de governo são os corruptos e os genocidas. O que defendemos é uma democracia sólida e a inclusão social”, disse Petro.

‘Machistas’

A eleição de Petro ou de um dos candidatos da centro-direita e direita poderá depender do tradicional alto índice de abstenção e do chamado voto envergonhado, principalmente, no presidenciável Rodolfo Hernández, da Liga de Governantes Anticorrupção, que com declarações classificadas de ‘machistas’ subiu nas pesquisas de intenção de votos.

Rodolfo Hernández, da Liga de Governantes Anticorrupção, aparece empatado com ‘Fico’ Gutiérrez de acordo com as últimas pesquisas

“Era esperado que Hernández fizesse barulho na campanha. Ele é o candidato politicamente incorreto e que provoca o voto envergonhado e subiu nas últimas pesquisas”, disse Manfredi, da Universidade ICESI, de Cali.

O crescimento de Hernández teria reduzido as chances do candidato Sergio Fajardo, do Centro Esperança, que era a esperança do centro, incluindo setores acadêmicos.

Além disso, para alguns analistas, causou surpresa que Ingrid Betancourt, que foi vítima de sequestro das FARC, tenha desistido da candidatura e declarado apoio a Hernández. Ela era a única mulher na disputa à Presidência.

Abstenção de 40%

Na Colômbia, o voto não é obrigatório e, como observou Manfredi, da ‘Red de Politólogas’ da América Latina, a abstenção registra cerca de 40% nas eleições dos últimos quarenta anos.

As últimas pesquisas divulgadas indicaram que Petro está à frente, com 35% ou até 48% das intenções de voto e em segundo lugar, praticamente empatados, com cerca de 20%, estão o engenheiro e ex-prefeito de Medellín Federico ‘Fico’ Gutiérrez, do ‘Equipo Por Colombia’, e o engenheiro, ex-prefeito de Bucaramanga, Rodolfo Hernández, da Liga de Governantes Anticorrupção, como mostraram os levantamentos da Centro Nacional de Consultoria e do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica.

‘Ou nos unimos ou estamos ferrados’, diz ‘Fico’ Gutiérrez

‘Fico’ Gutiérrez conta com o apoio dos partidos tradicionais, o Partido Conservador e o Partido Liberal.

“Ou nos unimos ou estamos ferrados”, costuma repetir para mostrar sua aversão a Petro.

Se as pesquisas forem confirmadas nas urnas, neste domingo (29), a eleição seria definida no segundo turno, no dia 19 de junho, já que são necessários 50% mais um voto para o candidato ser eleito.

Preocupação

Algo une quase todos os candidatos, além da defesa, com diferentes matizes, da retomada das relações diplomáticas com a Venezuela, a preocupação com a apuração dos votos.

Segundo a revista Semana, de Bogotá, Petro, Fico Gutiérrez e Sergio Fajardo concordaram que “há preocupação” em relação à ‘Registraduría Nacional’, órgão que organiza as eleições e é ligado ao Conselho Nacional Eleitoral.

América do Sul

País com pouco mais de 50 milhões de habitantes, a Colômbia, que é andina e também banhada pelo Caribe e pelo Oceano Pacífico, tem desafios similares aos de outros países da região, incluindo o Brasil, como a desigualdade social e os altos índices de pobreza.

Alguns analistas dizem que esta eleição faz parte do xadrez político regional.

“No início dos anos 2000, houve uma onda de governos progressistas, com Lula, Tabaré, Evo e outros. Hoje, temos Bolsonaro no Brasil e (Guillermo) Lasso no Equador e Boric no Chile e Alberto Fernández na Argentina, além de Castillo no Peru. Como o Brasil também elege presidente neste ano, poderíamos estar, ou não, diante de novo pêndulo regional, dependendo do que as urnas digam”, disse o professor colombiano Vargas Velásquez.

Fonte:       bbc.com


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