Quando a Escola Vira Quartel

Quando a Escola Vira Quartel
Compartilhar

 

 

O risco de trocar o pensamento pelo comando e a educação pela obediência

Há algo de profundamente simbólico em ver crianças marchando em fila dentro de uma escola. Uniformes alinhados, vozes contidas, o silêncio quase militar que paira sobre o pátio. À primeira vista, parece disciplina. Mas, sob um olhar mais atento — e mais humano —, o que se vê é um tipo perigoso de ordem: aquela que domestica antes de educar.

Nos colégios cívico-militares, a lição de casa começa pelo corpo: cabelo cortado, camisa para dentro, postura firme. O gesto substitui o pensamento; a obediência, o diálogo. É uma pedagogia que parece inspirada em quartéis, não em salas de aula.

Dizem que o objetivo é formar “bons cidadãos”. Mas é preciso perguntar: bons para quem?
A escola, que deveria ensinar a questionar, passa a ensinar a aceitar. E quando a aceitação vira virtude, a cidadania se transforma em submissão.

Paulo Freire — esse educador tantas vezes atacado e tão pouco lido — já havia nos alertado para isso. Chamava de “educação bancária” o modelo em que o professor deposita conhecimento e o aluno o guarda, sem diálogo, sem crítica, sem autoria.
Nos colégios cívico-militares, essa lógica é elevada ao extremo: o aluno não só obedece intelectualmente, mas também corporalmente. Aprende que pensar demais é desvio, e que questionar a autoridade é falta de respeito.

Mas respeito, como lembrava Freire, não se impõe — se conquista.
O verdadeiro educador inspira pelo exemplo, não pelo medo; educa pela confiança, não pela vigilância.

A militarização da escola é, portanto, mais do que uma política administrativa: é um projeto de sociedade. Um projeto que prefere o silêncio à crítica, a ordem ao diálogo, a obediência à autonomia.
É a velha ilusão autoritária de que o país melhorará quando todos marcharem no mesmo passo — mesmo que isso custe o direito de pensar diferente.

Os defensores do modelo argumentam que as notas melhoram, que o vandalismo diminui, que a farda impõe respeito. É possível. Mas se a melhoria vem à custa do medo, que tipo de vitória é essa?
Educar pela obediência é como plantar flores em cimento: até parece bonito por um tempo, mas nada cria raízes.

Freire dizia que a educação é um ato de amor, e o amor é sempre um ato de coragem.
Coragem de ouvir o outro, de conviver com o diferente, de construir saber em diálogo.
Nada disso floresce em ambiente onde se aprende a responder “sim, senhor” antes mesmo de entender a pergunta.

Transformar escolas em quartéis pode até render boas fotos e discursos sobre civismo, mas mina silenciosamente a base da democracia: a formação de cidadãos críticos, empáticos e livres.
Porque a liberdade — tal como o aprendizado — só vive onde há espaço para respirar.

E onde o pensamento precisa pedir permissão para existir, a escola já deixou de ser escola.

Fonte:    www.brasilcultura.com.br


Compartilhar
0 0
Happy
Happy
0 %
Sad
Sad
0 %
Excited
Excited
0 %
Sleepy
Sleepy
0 %
Angry
Angry
0 %
Surprise
Surprise
0 %