Segundo relatório, imunização de crianças cai 90% em dias de ações no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro
A violência armada ligada às operações policiais, como a que aconteceu na terça-feira (28) no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, causam impacto negativo na saúde e na vacinação de crianças. É o que aponta um relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com a ONG Redes da Maré, no último dia 24 de outubro.
O estudo “A Primeira Infância na Maré: impactos da violência armada na saúde e imunização de crianças até 6 anos de vida” mostrou que as taxas de vacinação na primeira infância sofreram queda de mais de 90% em dias que há operação policial em alguma das 15 favelas que compõem o Complexo da Maré, também no Rio de Janeiro.
O trabalho analisou o período de 2024 e o primeiro semestre de 2025 e os resultados foram obtidos a partir do cruzamento de dados de vacinação do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e registro de operações policiais do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, que há dez anos acompanha e coleta dados durante as operações policiais no território.
Em 2024, foram 43 dias com operações policiais e, em 22 desses dias, ao menos uma das seis unidades de saúde do território precisou fechar.
Segundo o estudo, em dias sem operações policiais e com funcionamento normal das unidades, são aplicadas, em média, 187,3 doses, vacinando 89 crianças em todo o território. Nos 22 dias de operação policial em que ao menos uma unidade fechou, esse número despencou para 20 doses aplicadas e um total de 9 crianças vacinadas. Isso representa uma redução de cerca de 90% no número de crianças vacinadas e doses aplicadas por dia.
Além disso, o estudo demonstrou uma redução no número de crianças vacinadas mesmo nos 14 dias em que houve fechamento parcial das unidades de saúde: queda de 62% na aplicação de doses e de 64% no número de crianças vacinadas. Também houve queda de 82% tanto no número de doses, quanto de crianças vacinadas nos 10 dias em que elas funcionaram normalmente.
A tendência se repete no primeiro semestre (janeiro a junho) de 2025: nos dias em que não houve operação policial, a média de doses aplicadas por dia foi de 176,7 e a média de crianças vacinadas foi de 76. Em dias em que houve operação policial e em que pelo menos uma das unidades fechou totalmente, o número médio de doses aplicadas cai para 21,1, enquanto o de crianças vacinadas cai para 11 — representando uma redução de 86% no número de crianças vacinadas por dia, enquanto a queda de doses aplicadas sofre redução de mais de 88%.
“A rotina de violência armada vivenciada pela primeira infância na Maré não pode se tornar uma constante que nega o direito à saúde e proteção. Nenhuma criança deve ficar sem acesso à vacinação, nem mesmo por causa da violência armada, e nenhuma gestante ou mãe deve ser impedida de sair de casa para garantir o cuidado de seus filhos. O estudo deixa claro que a insegurança e o medo impedem muitas famílias de buscar atendimento, agravando ainda mais a vulnerabilidade e os riscos à saúde das crianças na região”, afirma Flavia Antunes, chefe do escritório do UNICEF no Rio de Janeiro, em comunicado à imprensa.
Além das quedas na vacinação, a violência armada em operações policiais impactam na saúde mental e no acesso à educação infantil, do ponto de vista de Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré.
“Além dos impactos tangíveis com a queda drástica na vacinação da primeira infância em dias de operações policiais, crianças e jovens da Maré sofrem impactos invisíveis, como efeitos significativos na saúde mental e a perda de anos escolares, que vão determinar uma série de consequências para a vida adulta. Não podemos naturalizar a suspensão dos direitos básicos dos moradores, durante as ações policiais nessas regiões”, afirma.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br