Exame pode cobrar distinção entre mito e razão ou interpretação da “graça como dom” em filosofia
A novela “Três Graças”, que se inspira nas famosas estátuas das Três Marias, traz à tona um antigo mito grego. Embora a nova trama da Globo não caia no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), a mitologia por trás dela e seu contexto histórico-filosófico podem, sim, ser temas da prova. Entender essas figuras milenares ajuda a compreender a cultura clássica e como ela ainda ecoa em nossos dias.
A história das Três Graças, como a maioria dos mitos, não tem um autor único. Ela nasceu de contos passados de boca em boca na Grécia Antiga, de geração em geração. Grandes escritores como Hesíodo, em sua obra “Teogonia”, e Homero foram os primeiros a registrar essas narrativas, transformando essas ninfas mitológicas em parte da literatura.
No Enem, o mito das Três Graças pode ser abordado em questões de filosofia. Daniel Machado Gomes, professor de filosofia do direito nas Faculdades Integradas Hélio Alonso e na Universidade Católica de Petrópolis, aponta duas formas de cobrança do exame.
Uma delas é verificar se o estudante compreende a diferença entre mito e filosofia, ou seja, “entre a explicação mitológica do mundo e a explicação racional”. A outra seria pedir uma interpretação do mito, discutindo a “graça como dom” e a antiga questão grega sobre a aquisição da virtude.
Gomes explica que o significado das Três Graças ainda é relevante hoje. Para ele, o termo “graça” remete a “encantamento, charme, beleza, elegância”, mas também a um “dom divino”, algo que não se pode forçar.
Para o professor, essa ideia, inclusive, se conecta com a novela, onde há um contraste entre a vilã Arminda (Grazi Massafera), e uma das protagonistas, Gerluce (Sophie Charlotte), sugerindo que “existe algo que o dinheiro não pode comprar”. Na novela, a personagem rica esconde dinheiro ilícito nas estátuas.
A imagem das Três Graças ganhou força na arte ocidental, especialmente durante o Renascimento. Nesse período, os europeus redescobriram a cultura greco-romana e viram nessas figuras clássicas uma fonte de inspiração e um elo com o passado. “Houve uma profusão de representações entre os artistas renascentistas, principalmente na pintura, com muitos mestres retratando essas figuras”, diz Gomes.
Mitologia no ensino médio
José Maurício Mazzucco, professor de filosofia e sociologia do cursinho Objetivo, concorda que a ideia de ligar a novela ao Enem é “muito criativa” e “genial”. No entanto, ele acredita que a prova dificilmente usará a novela diretamente.
Mazzucco lembra que os alunos do ensino médio hoje não estudam mitologia a fundo. O que se aborda é a transição da cosmogonia (explicação mítica do mundo) para a cosmologia (explicação filosófica, mais racional).
Para os gregos, ele explica, as Três Graças simbolizavam “a beleza, a alegria e o encanto”, uma visão diferente da interpretação cristã de “caridade, generosidade e prosperidade”.
Mazzucco também aponta uma ligação com o pensamento de Platão. Para ele, as Três Graças podem ser vistas como “arquétipos que residem no mundo das ideias”, um lugar perfeito e transcendental.
Nossas experiências na Terra seriam apenas “sombras” ou uma “saudade que nós temos do mundo das ideias”. O professor acredita que essa “coisa platônica” é um conceito mais fácil para os alunos do ensino médio entenderem.
Sociologia
Já na sociologia, o mito pode ter uma leitura mais atual. Mazzucco sugere que a arte, por permitir novas interpretações, pode simbolizar o “poder feminino, a emancipação da mulher”.
A forma como as Graças são representadas, “dançando, abraçadas e cantando”, pode ser vista como um sinal de que “juntas elas produzem criatividade, natureza, esplendor, charme, alegria”, qualidades que hoje “mobilizam as mulheres para um processo de emancipação”.
Ainda hoje, esses mitos são muito importantes, segundo o professor Gomes. Eles são uma “eterna fonte para a produção artística”, pois conseguem “provocar algo dentro da gente”, conectando-se com vários aspectos da nossa vida. O professor cita o artista plástico Juarez Machado como exemplo de quem se inspirou nas Três Graças, reinventando o mito em suas obras.
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Fonte: www.cnnbrasil.com.br
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