Como Bolsonaro mirou em embaixadas para evitar prisão

Como Bolsonaro mirou em embaixadas para evitar prisão
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Diante do “risco concreto de fuga e ameaça à ordem pública”, Alexandre de Moraes determinou prisão preventiva do ex-presidente, citando representações diplomáticas como possíveis destinos do condenado

Bolsonaro e seu aliado húngaro, o primeiro-ministro ultradireitista Viktor Orbán

Em seu pedido de prisão preventiva contra Jair Bolsonaro , o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes cita a possibilidade de tentativa de fuga do condenado para alguma das embaixadas próximas à sua casa. Situada em um condomínio no bairro Jardim Botânico, em Brasília, a residência do ex-presidente fica a cerca de 13 quilômetros do Setor de Embaixadas Sul, como destaca o despacho deste sábado (22/11).

Nessa área, estão duas embaixadas citadas na decisão de Moraes – dos Estados Unidos e da Argentina. Lá também está a representação da Hungria, acionada no passado pelo ex-presidente. Legalmente, permanecendo em uma embaixada, Bolsonaro estaria fora do alcance da polícia brasileira, já que essas áreas são protegidas por convenções diplomáticas.

Bolsonaro já havia admitido que considerava pedir refúgio a alguma embaixada caso fosse condenado. O alerta para o risco de fuga acendeu após o senador Flávio Bolsonaro convocar uma vigília de orações na frente da casa do pai para a noite deste sábado, o que poderia “gerar um grave dano à ordem pública, podendo inclusive inviabilizar o cumprimento de eventuais medidas em decorrência do trânsito em julgado da ação penal”, segundo Moraes.

Houve ainda a tentativa de rompimento da tornozeleira eletrônica do condenado, detectada pela Polícia Federal nesta madrugada. O ex-presidente estava em prisão domiciliar desde agosto, à espera da conclusão do processo e da decisão de como irá cumprir a sentença de 27 anos e três meses de prisão por liderar um plano de golpe de Estado.

Para Alexandre de Moraes, vigília convocada pelo senador Flávio Bolsonaro facilitaria uma possível fugaFoto: Evaristo Sa/AFP

Estados Unidos

Moraes cita no documento a proximidade à embaixada americana e lembra das bandeiras dos EUA agitadas em eventos liderados por Bolsonaro, em apoio ao tarifaço imposto a produtos impados do Brasil para “coagir” o STF. Ele relaciona ainda a convocação de uma vigília nas redes ao método usado nas manifestações golpistas que desembocaram no 8 de janeiro.

Bolsonaro sempre buscou se associar ao governo de Donald Trump, com a participação ativa de membros de sua família, em especial do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, em lobby na Casa Branca. A PF indiciou Eduardo Bolsonaro pelo crime de coação a autoridades, na tentativa de embaraçar a ação penal que julgou a trama golpista e condenou seu pai a 27 anos de prisão.

O presidente americano chamou o processo conduzido pelo STF de “caça às bruxas” e impôs sanções a Moraes, relator do caso, sob acusação de “perseguição política” e violações de direitos. Trump vinculou a elevação das tarifas sobre diversos produtos brasileiros importados para os EUA ao julgamento. Algumas, no entanto, já foram revogadas, como as do café e da carne bovina.

Moraes lembra ainda em seu despacho que o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na gestão Bolsonaro e condenado no mesmo processo, está foragido nos EUA, “com a finalidade de se furtar a aplicação da lei penal”.

Moraes cita também a deputada federal Carla Zambelli, presa na Itália e à espera de extradição para o Brasil , como mais um precedente que indica um risco de fuga de Bolsonaro.

Ao ser questionado sobre a prisão, Trump disse, no sábado, que não tinha ficado sabendo da notícia e lamentou a decisão: “uma pena”.

A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil criticou a ordem de Moraes como uma medida “provocativa e desnecessária” e voltou a atacar o ministro neste domingo.

A mensagem seguinte é a tradução de  comentários feitos por Christopher Landau, vice-secretário de Estado americano, em sua conta no X:

“O juiz Moraes, um violador de direitos humanos sancionado, expôs o Supremo Tribunal Federal do Brasil à vergonha e ao descrédito internacional ao desrespeitar normas tradicionais de autocontenção judicial e politizar de forma escancarada o processo judicial”, publicou a embaixada em seu perfil na rede social X.

“Os Estados Unidos estão profundamente preocupados diante de seu mais recente ataque ao Estado de Direito e à estabilidade política no Brasil: a provocativa e desnecessária prisão do ex-presidente Bolsonaro, que já estava em prisão domiciliar sob forte vigilância e com rígidas restrições de comunicação. Não há nada mais perigoso para a democracia do que um juiz que não reconhece limites para seu poder”, diz o post.

Hungria

Apesar de não ter sido citada por Moraes neste sábado, a embaixada da Hungria já foi usada por Bolsonaro em uma aparente tentativa de obter refúgio e contornar uma possível ordem de prisão.

Em fevereiro de 2024, quatro dias após ter tido seu passaporte confiscado pela PF, Bolsonaro passou dois dias na embaixada. Ele foi recebido pelo embaixador húngaro, Miklos Tamás Halmai.

O caso foi revelado pelo jornal americano The New York Times, que obteve vídeos de Bolsonaro entrando e saindo da representação diplomática húngara. Bolsonaro entrou na embaixada em Brasília com dois seguranças em 12 de fevereiro e só deixou o local dois dias depois, em 14 de fevereiro.

A estada de Bolsonaro sugeriu que o ex-presidente estava tentando usar seus laços com o ultradireitista primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán , para escapar da Justiça brasileira e pedir asilo político caso a sua prisão fosse decretada, segundo o NYT.

Ideologicamente próximos, Bolsonaro e Orbán estão em estreito contato há anos. O húngaro inclusive esteve na posse do brasileiro em 2019, e Bolsonaro já chamou Orbán de “irmão” durante uma visita à Hungria em 2022.

Argentina

No período em que dormiu na embaixada da Hungria, o ex-presidente Jair Bolsonaro mexeu em um documento no seu celular – um pedido de asilo endereçado ao presidente da Argentina, Javier Milei . Esse rascunho, de 33 páginas, foi encontrado no celular de Bolsonaro pela PF.

O STF considerou que o documento mostra “um risco comprovado de fuga do acusado”.

“Rememoro que o réu, conforme apurado nestes autos, planejou, durante a investigação que posteriormente resultou na sua condenação, a fuga para a embaixada da Argentina, por meio de solicitação de asilo político àquele país”, afirma Moraes em seu despacho.

Na ordem de prisão domiciliar, Moraes também proibiu Bolsonaro de se comunicar com embaixadores e diplomatas estrangeiros e de ir a embaixadas.

Passaporte

Bolsonaro tentou reaver seu passaporte ao menos quatro vezes, sempre sem sucesso.

Um mês após o documento ser apreendido, o ex-presidente pediu ao STF sua devolução para que ele pudesse viajar aos Estados Unidos para participar de um evento que contaria com a presença de Trump, a Conferência Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês).

Moraes rejeitou o pedido, afirmando que as investigações ainda estavam em andamento e que devolver o passaporte seria “absolutamente prematuro”.

Em março de 2024, Bolsonaro tentou de novo reaver o documento para viajar a Israel de 12 a 18 de maio, a convite do premiê israelense Benjamin Netanyahu. Novamente, o pedido foi negado por Moraes, após a PGR alegar que isso poderia representar um “perigo para o desenvolvimento das investigações criminais”.

Em janeiro de 2025, Bolsonaro pediu o passaporte para viajar ao Estados Unidos para participar da posse de Trump. O pedido foi negado – Moraes afirmou que comportamentos do ex-presidente indicavam a possibilidade de tentativa de fuga para evitar uma eventual punição.

Em julho, Bolsonaro voltou a pedir a liberação do seu passaporte para que fosse aos Estados Unidos “negociar” com Trump a redução das taxas de importação de 50% ao Brasil. “Me deem o passaporte, que eu converso”, afirmou.

Fonte:  www.dw.com.br


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