As opções do Mercosul caso o acordo com a UE naufrague

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Apesar da falta de alinhamento entre Brasil e Argentina, bloco segue interessado em buscar novos mercados. Emirados Árabes Unidos e Canadá podem ser os próximos.

Líderes do Mercosul se mostram unidos na hora do foto, mas divergências políticas são claras

Não deu pra esconder, havia um clima de frustração na 67ª Cúpula do Mercosul realizada neste sábado (20/12) em Foz do Iguaçu, cuja data e local haviam sido cuidadosamente escolhidos para a assinatura do acordo de livre comércio com a União Europeia (UE) – que não ocorreu.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava acompanhado dos presidentes da Argentina, Javier Milei, do Uruguai, Yamandú Orsi, e do Paraguai, Santiago Peña, que recebeu no evento a bastão da presidência temporária do Mercosul. Também estavam lá o ministro das Relações Exteriores da Bolívia, país que aderiu ao bloco em 2024 e está em processo de adaptação de suas normas internas às regras do Mercosul, e representantes de países associados.

Além da falta de acordo com a UE – cuja assinatura agora é prometida para 12 de janeiro – , ficou patente o desacordo entre Lula e Milei, exposto ao tratarem da situação da Venezuela, sob crescente cerco militar dos Estados Unidos. Milei é hoje o principal representante da ultradireita na América do Sul e aliado próximo do presidente Donald Trump.

Ao abrir a cúpula, Lula afirmou que “uma intervenção armada na Venezuela seria uma catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo”. Quando chegou sua vez, Milei chamou o regime venezuelano de “ditadura atroz e inumana” e disse que a Argentina “acolhe com satisfação a pressão dos Estados Unidos e de Donald Trump para libertar o povo venezuelano”.

A declaração final da cúpula não fez menções à situação na Venezuela, que está suspensa do Mercosul desde 2017 por descumprimento da cláusula democrática do bloco.

Na segunda-feira passada, o líder argentino já havia provocado o Brasil ao compartilhar um post que mostrava um mapa da América do Sul com países governados pela esquerda – Brasil, Uruguai, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname – representados como uma grande favela, e os governados pela direita – Argentina, Chile, Paraguai, Bolívia, Peru e Equador – como cidades futuristas.

Com seus dois principais líderes em confronto, e na hipótese de o acordo com a UE naufragar, quais são as perspectivas para o Mercosul conseguir expandir mercados e influência daqui para a frente?

Sem UE, menos espaço para reduzir dependência da China

O agronegócio brasileiro, principal temor dos países europeus que hoje se opõem ao tratado de livre comércio com o Mercosul – notadamente França, Polônia e Itália – não sofrerá grande impacto caso não haja acordo, pois já exporta em peso para os mercados asiáticos, diz Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da FAAP.

A indústria brasileira, no entanto, poderia perder mais no longo prazo, em termos de oportunidade de se inserir em cadeias de valor globais e receber investimentos estrangeiros. “Vejo [no acordo] oportunidades para a indústria, porque receberia investimentos e a partir daqui poderia atender o mercado externo, exportar para o restante da América Latina, África e para a própria Europa e Estados Unidos”, afirma Vieira.

Essa avaliação é apoiada por uma projeção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do Brasil, divulgada pelo jornal Valor Econômico, que estima que a indústria seria o setor mais beneficiado pelo acordo em 20 anos, com alta de 26,6% nas exportações para a UE, seguido pelo setor de serviços (14,8%) e agronegócio (6,7%). Se forem considerados todos os destinos, as altas seriam de 4,9%, 3,2% e 1,7%, respectivamente.

Além do potencial de exportação, Vieira avalia que sem o acordo com a UE o Mercosul perde uma chance para reduzir a “excessiva dependência da China para o mercado de exportações agrícolas” e ter um “escudo contra os arroubos protecionistas de Donald Trump”. Na esfera política, ele diz que o maior perdedor seria Lula, que se engajou intensamente pelo acordo.

Emirados Árabes, Canadá e Ásia despontam com alternativas

Apesar da atual falta de alinhamento entre os principais países do Mercosul, a busca por novos mercados agrada aos líderes de diferentes matizes políticas e deve seguir na hipótese de o acordo com a UE naufragar, diz Pedro Brites, professor de relações internacionais da FGV.

“Não consigo imaginar o Mercosul avançando para uma integração profunda entre os membros, mas em termos de acordos comerciais é possível chegar a consensos”, afirma.

Paralelamente às negociações com a UE, o bloco sul-americano vem buscando novas frentes de expansão comercial. O Mercosul assinou em dezembro de 2023 um acordo de livre comércio com Singapura, após 12 anos sem novos tratados do tipo, e em setembro deste ano um acordo de livre comércio os países da EFTA (Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça).

A embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, afirmou à imprensa antes da cúpula em Foz do Iguaçu que o Mercosul também está próximo de concluir um acordo comercial com os Emirados Árabes, relançou em outubro as negociações com o Canadá e pretende ampliar o acordo atual com a Índia, que é muito restrito. Há ainda diálogos, em fases iniciais, com Japão, Indonésia e Vietnã.

Vieira, da FAAP, afirma que essas negociações são relevantes por motivos diversos: no Sudeste Asiático há uma classe média em expansão, o Canadá busca oportunidades pois percebeu que “não pode mais confiar nos Estados Unidos”, e o Japão assume relevância por um motivo similar à da UE – buscar alternativas à polarização entre EUA e China. Já os árabes têm potencial para trazer investimentos ao Brasil, diz.

Brites, da FGV, destaca que o Japão vem buscado uma aproximação com think tanks brasileiros e governos locais para construir condições para acordos do tipo, e pode estar prestes a abrir seu mercado para a carne bovina brasileira.

Todas as negociações, porém, têm entraves – como resistências internas no Japão, ou o eventual aumento de tensões na Ásia envolvendo a China, que podem redirecionar as prioridades dos países da região.

Comércio intrabloco

Independentemente da abertura de novas frentes de mercado, o Mercosul ainda teria muito o que fazer para conseguir ampliar o comércio entre seus países-membros, disse a embaixadora Padovan.

Ela mencionou que o comércio intrabloco entre os países do Mercosul representa 11% do comércio total na região, enquanto na União Europeia essa cifra é de 61% e na Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), de 21%.

Padovan disse que a presidência rotativa do Brasil buscou ampliar o comércio intrabloco com projetos variados, como buscar apoiar micro e pequenas empresas – muitas das quais lideradas por mulheres – a se lançarem no comércio na região.

À parte de comércio, o Mercosul aprovou na sexta-feira a criação de uma comissão para combate ao crime organizado transnacional, que terá representantes dos ministérios da Justiça e da Segurança Pública, dos ministérios públicos e das polícias dos países do bloco.

Fonte:  www.dw.com/pt-br


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