Quando é dia de faxina, muita gente abre as janelas, pega os produtos de limpeza e se põe a remover todo o pó e a sujeira da casa.
Mas qual é a importância de ter uma casa limpa para a nossa saúde? A limpeza profunda ajuda a evitar infecções e nos proteger contra doenças?
Especialistas afirmam que é preciso tomar cuidado para não confundir limpeza com boa higiene.
A pandemia de covid-19 fez aumentar a limpeza doméstica — as pessoas tentavam manter o vírus longe desinfetando cada centímetro das suas casas.
Esta tendência foi exacerbada pela advertência inicial da Organização Mundial da Saúde (OMS), de que o vírus poderia se espalhar por meio de superfícies contaminadas, conhecidas como fômites. Mas pesquisas posteriores concluíram que o risco de transmissão da doença pelas superfícies é baixo
Sally Bloomfield, presidente do Fórum Científico Internacional sobre Higiene Doméstica e professora honorária da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, receia que a pandemia tenha levado muita gente a adotar hábitos de limpeza inúteis.
Estes hábitos podem incluir, por exemplo, esfregar obsessivamente o piso, em vez de se concentrar nas boas práticas de higiene que ajudam a evitar a propagação de doenças.
“As pessoas têm obsessão pela limpeza como meio de se proteger contra os germes”, afirma Bloomfield.
“Está em algum lugar do DNA que nós associamos limpeza à saúde… Nós evoluímos para ter um reflexo de aversão e evitar coisas que sejam desagradáveis ou mal cheirosas.”
Mas ela afirma que limpeza e higiene não são a mesma coisa.
“Limpeza é fazer com que [um local] tenha aparência limpa, seja aspirando ou esfregando a mesma”, ela explica.
“Mas higiene é se proteger contra os micróbios nocivos.”
Entre eles, estão patógenos como o norovírus, os vírus causadores da gripe e da covid-19 e a bactéria salmonella, explica Bloomfield.
“A higiene é um conjunto de ações, não um estado, que você realiza quando é necessário, em vez de em um momento pré-estabelecido.”
“É questão de intervir nos momentos certos.”
Todos nós devemos praticar a “higiene direcionada” na nossa vida diária e reconhecer quando os micróbios nocivos podem se espalhar, segundo ela.
Por exemplo, quando estamos manipulando alimentos crus, usando o banheiro, tocando nos animais de estimação, assoando o nariz ou jogando o lixo fora.
Nove momentos fundamentais para a higiene direcionada
O Fórum Científico Internacional sobre a Higiene Doméstica definiu nove momentos em que é fundamental praticarmos a boa higiene na nossa vida diária. São eles:
- Ao manusear alimentos;
- Ao comer com as mãos;
- Ao usar o banheiro e trocar fraldas;
- Ao tossir, espirrar ou quando nosso nariz está sangrando;
- Ao tocar em superfícies usadas com frequência por outras pessoas;
- Ao manusear e lavar roupas e tecidos domésticos “sujos”;
- Ao cuidar de animais de estimação;
- Ao manusear e descartar refugos;
- Ao cuidar de familiares infectados.
A confusão
Uma pesquisa conduzida pela Sociedade Real de Saúde Pública (RSPH, na sigla em inglês), no Reino Unido, concluiu que muita gente não sabe a diferença entre higiene e limpeza.
Muitos dos entrevistados responderam que ser higiênico envolve remover a sujeira. Mais de um terço (36%) afirmou que a sujeira sempre ou normalmente é nociva; e 61% responderam que tocar nas mãos de uma criança depois que ela brincou fora de casa provavelmente transmite micróbios nocivos.
O RSPH observa, no entanto, que as principais fontes de patógenos não são os lugares tipicamente considerados “sujos” — mas, sim, alimentos contaminados, animais de estimação e pessoas infectadas.
Na verdade, pesquisas mostram que “se sujar” pode fornecer importantes benefícios à saúde.
Estudos sugerem que crianças que moram em fazendas, por exemplo, sofrem menos de asma e alergias e são menos propensas a desenvolver condições autoimunes, como a doença de Crohn, devido à exposição precoce a uma diversidade maior de micro-organismos que ajudam a regular seu sistema imunológico.
A crença de que limpeza e higiene são sinônimos persiste desde o fim dos anos 1980, quando o epidemiologista britânico David Strachan levantou a hipótese da higiene. Ele defendeu que a exposição aos germes e infecções durante a infância ajudaria a desenvolver o sistema imunológico das crianças, protegendo-as contra alergias
O aumento dos casos de asma e alergia na infância no fim do século 20 foi associado à redução da exposição das crianças a micróbios, devido à diminuição do tamanho das famílias, à interação limitada com animais e padrões de limpeza mais altos, segundo Strachan.
Mas os cientistas agora argumentam que não há evidências mostrando que a limpeza esteja ligada ao desenvolvimento de alergias.
Graham Rook, professor emérito de microbiologia médica da University College London (UCL), no Reino Unido, argumenta que a hipótese da higiene deveria ser rebatizada como “hipótese dos velhos amigos”.
Ele argumenta que a exposição a “velhos amigos” — organismos não infecciosos que estiveram à nossa volta em grande parte da nossa história evolutiva — é, na verdade, o que treina o sistema imunológico para não reagir de forma exagerada a micróbios inofensivos, e não as infecções infantis ou quão limpa era a casa onde você foi criado.
Todos nós “nascemos com um sistema imunológico completamente formado que precisa de programação”, afirma Bloomfield.
“A programação é feita pelos ‘velhos amigos’, ensinando o sistema imunológico a não reagir a coisas como pólen e alérgenos alimentares, que são perfeitamente inofensivos.”
A susceptibilidade de uma criança a desenvolver alergias, portanto, não tem nada a ver com limpeza — mas, sim, com sua exposição a diferentes tipos de micro-organismos por meio do intestino, da pele e do ar que respiram, segundo os cientistas
Eles afirmam que as crianças recebem todos os insumos microbianos de que precisam para desenvolver um sistema imunológico saudável por meio das vacinas, do seu ambiente natural e da microbiota benéfica obtida das mães durante o parto.
“Definitivamente precisamos ter contato com a microbiota das nossas mães e do ambiente natural, e a ausência disso certamente contribui para distúrbios imunorregulatórios, como alergias, porque esses organismos definem os mecanismos que regulam o sistema imunológico”, afirma Rook.
Mas limpar a casa “não reduz necessariamente a exposição da criança à mãe ou à natureza”.
“Práticas de higiene direcionadas em locais e momentos fundamentais de risco podem maximizar a proteção contra infecções, minimizando eventuais impactos da exposição aos micróbios essenciais”, aponta o estudo.
“Você não pode manter sua casa higiênica. Se quisesse fazer isso, você teria que colocá-la em uma caixa estéril”, afirma Bloomfield.
“Mas, se você intervier nos momentos certos, vai lidar com a maioria dos riscos.”
Fonte: bbc.com