Doença faz homem ter nível de gordura no sangue 30 vezes acima do normal

Doença faz homem ter nível de gordura no sangue 30 vezes acima do normal
Compartilhar

Josiano levou anos para ser diagnosticado com síndrome de quilomicronemia familiar (SQF), uma doença rara e genética

Desde jovem, Josiano Severino de Santana, 51 anos, convivia com dor abdominal intensa, inchaço, desconforto após refeições e fadiga. Tudo isso, sem explicação clara. Em 2008, foi diagnosticado com diabetes tipo 2, mas os problemas continuaram mesmo com o tratamento.

Entre 2011 e 2023, Josiano enfrentou três crises graves de pancreatite. Nesse período, chegou a registrar triglicérides (um tipo de gordura presente no sangue) em torno de 4.900 mg/dL, cerca de 30 vezes acima da média considerada normal, que varia entre 150 e 175 mg/dL.

“Eu tinha muito desconforto no estômago. Tudo o que eu comia estava me afetando, mas não sabia, ainda, o que era”, conta Josiano à CNN Brasil. “Na época, eu fui diagnosticado apenas com pancreatite aguda.”

Até que, em maio de 2024, ele teve finalmente o diagnóstico correto para o que causava todos esses problemas: SQF (síndrome de quilomicronemia familiar), uma doença rara de origem genética.

A enfermidade é causada por mutações que impedem o corpo de metabolizar corretamente os triglicerídeos, afetando a ação de enzimas envolvidas na quebra de gorduras, levando ao acúmulo de quilomícrons (partículas ricas em triglicerídeos) no sangue, de acordo com Maria Cristina Izar, cardiologista e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

“Esse excesso de gordura circulante pode gerar diferentes sintomas que deixam o paciente debilitado e, em casos graves, levam à morte. Por esse motivo, os portadores da doença precisam seguir uma dieta extremamente restrita em gorduras, geralmente entre 15 e 20 gramas por dia”, afirma a especialista à CNN Brasil.

A doença é considerada rara. Segundo Maria Helane Gurgel Castelo, diretora médica de Análises Clínicas da Dasa, a SQF acomete uma pessoa a cada um milhão no mundo, e é transmitida de forma hereditária.

Na primeira crise de pancreatite, Josiano ficou 14 dias internado e quase precisou ser entubado. Em 2017, voltou ao hospital por oito dias com o mesmo quadro, saindo com sequelas respiratórias e dificuldade de fala. Já em 2023, enfrentou outra internação de sete dias.

“Eu estava tomando remédio direitinho, já estava fazendo dieta. Mas mesmo tomando remédio, eu nunca me senti bem. Essas medicações não tinham efeito nenhum”, relembra Josiano.

Josiano Severino de Santana foi diagnosticado com síndrome de quilomicronemia familiar (SQF) • Arquivo pessoal/Josiano Severino de Santana
Josiano Severino de Santana foi diagnosticado com síndrome de quilomicronemia familiar (SQF) • Arquivo pessoal/Josiano Severino de Santana

“Teste da bochechinha” permitiu o diagnóstico correto

O diagnóstico de SQF só foi possível graças a uma endocrinologista do posto de saúde da cidade de Josiano, Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, que revisou toda sua trajetória clínica e solicitou um teste genético chamado “teste da bochechinha“, que analisa o DNA coletado da mucosa bucal.

“A síndrome é uma doença exclusivamente genética e segue um padrão de herança autossômico recessivo. Ou seja, a pessoa precisa herdar duas cópias do gene mutado — uma de cada progenitor — para desenvolver a doença”, explica Izar.

Por isso, a doença costuma ocorrer com mais frequência em regiões em que há maior quantidade de casamentos consanguíneos, segundo Castelo.

O teste genético deve ser solicitado para confirmar o quadro quando houver suspeita diante da avaliação clínica e laboratorial. Os sintomas da SQF costumam incluir sangue com aparência mais espessa e esbranquiçada, por conta do excesso de gordura, alterações nos vasos dos olhos, dores abdominais recorrentes, xantomas eruptivos (pequenas bolinhas amareladas na pele devido ao acúmulo de gordura rica em colesterol) e crises repetidas de pancreatite, além de dificuldades de memória, concentração e impacto na qualidade de vida e no convívio social.

Josiano, por exemplo, não conseguia mais trabalhar diante dos sintomas, pois sentia muita fadiga e dor. “Cheguei a tomar dois analgésicos para conseguir trabalhar, um de manhã e outro depois do meio-dia. Era dor, falta de ar e pressão alta, que eu também tenho”, relembra.

Além disso, do ponto de vista clínico, em pessoas saudáveis, a taxa de triglicerídeos costuma ficar em torno de 150 mg/dL. Já em pessoas com SQF, o índice pode ultrapassar 1.000 mg/dL, chegando até a ultrapassar os 10.000 mg/dL, segundo Izar.

Apesar de rara, um estudo inédito realizado pela Dasa recentemente identificou um caso de SQF em um universo de 212 exames.

“Parece um número pequeno, mas é significativo encontramos um caso dessa doença rara em um universo de 212 exames. Certamente encontraríamos mais casos com um número maior de pacientes selecionados”, afirma Castelo, indicando a necessidade de realizar exames específicos e genéticos para identificação de doenças raras.

Dieta, medicamentos e acompanhamento multidisciplinar são essenciais

O tratamento adequado da quilomicronemia familiar exige o acompanhamento multidisciplinar, ou seja, de diferentes profissionais da saúde, como nutricionista, endocrinologista, psicólogo, gastroenterologista e hepatologista.

Além disso, o paciente precisa seguir uma dieta restrita, com menos de 10 a 15% das calorias diárias vindas de gordura, conforme explica Izar. “Isso inclui evitar até mesmo alimentos considerados saudáveis para a população em geral, como abacate, castanhas e azeite”, afirma. A prática de atividade física também faz parte do cuidado.

Em relação aos tratamentos medicamentosos, entre as opções mais recentes, destacam-se as terapias inibidoras de APOC3, como o volanesorsena, que têm mostrado resultados satisfatórios na redução dos triglicerídeos.

“Esse medicamento funciona ‘silenciando’ o gene APOC3, que normalmente dificulta a ação da enzima responsável por quebrar gorduras no sangue (lipoproteína lipase). Dessa forma, o corpo consegue remover os triglicerídeos com mais eficiência, reduzindo o risco de pancreatite e de outras complicações relacionadas ao excesso de gordura circulante”, afirma.

De acordo com a especialista, o tratamento adequado da doença pode trazer uma melhora significativa nos níveis de gordura no sangue.

Atualmente, Josiano é acompanhado trimestralmente no HC-UFPE (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco). Seu tratamento envolve controle rigoroso de glicose, pressão arterial e colesterol, além de orientação nutricional para dieta extremamente restrita em gorduras.

“Nesse sentido, também estou em processo para ter acesso a uma terapia indicada especificamente para a doença que ajuda no controle da gordura no sangue”, explica.

Nesta trajetória, que o afastou de seu trabalho na construção civil e impôs ajustes diários, Josiano reforça o apoio fundamental da ABSQF (Associação Brasileira da SQF). “Com a associação, pude compartilhar experiências, compreender melhor a doença e receber acolhimento”, conta. “E, para quem também está nessa jornada, não desista, mesmo quando parecer impossível. Busque especialistas, insista nos exames, nas investigações, porque entender a causa muda tudo”, finaliza.

 

 

 

Fonte: www.cnnbrasil.com.br


Compartilhar
0 0
Happy
Happy
0 %
Sad
Sad
0 %
Excited
Excited
0 %
Sleepy
Sleepy
0 %
Angry
Angry
0 %
Surprise
Surprise
0 %