Tempo de espera para início do tratamento de câncer de mama receptor de estrogênio positivo no SUS é mais que o dobro do observado na rede privada
Entre todos os tipos de câncer diagnosticados no mundo, o de mama é o mais comum e também a principal causa de morte por câncer em mulheres globalmente. Cerca de 70% dessas pacientes com a neoplasia em estágio inicial têm células tumorais com receptores para o hormônio estrogênio.
Chamada de câncer de mama receptor de estrogênio positivo (ER+), essa malignidade apresenta pequenas “portas” na superfície ou no interior das células cancerígenas. Encaixando-se como “chaves” nessas aberturas, o estrogênio corporal estimula o crescimento do tumor.
Por isso, uma terapia endócrina adjuvante, ou seja, usada depois da cirurgia ou após quimioterapia ou radioterapia, se tornou, segundo oncologistas, “a espinha dorsal da terapia sistêmica”. O tratamento bloqueia o efeito do estrogênio nas células cancerígenas residuais, ajudando a reduzir riscos.
Dessa forma, mesmo tendo um prognóstico melhor que outros tipos, o câncer de mama ER+ precisa ser tratado o quanto antes, de preferência nos estágios iniciais. Isso porque, embora cresça mais lentamente que os demais tumores, ele continua respondendo ao estrogênio, que estimula o crescimento e disseminação das células tumorais.
Agora, em um estudo colaborativo, publicado recentemente na revista científica JCO Global Oncology, pesquisadores de 14 centros de referência no Brasil — tanto do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto do setor privado — quantificaram as disparidades no cuidado do câncer ER+, estágio inicial, entre os dois sistemas de saúde.
Entrevistado pela CNN Brasil, o primeiro autor do artigo, Romualdo Barroso de Sousa, líder nacional de pesquisa em câncer de mama na rede de hospitais Oncologia Américas, ponderou que, “quando a gente compara sistema público com atraso mais do que o dobro do que o observado no sistema privado, isso potencialmente afeta o prognóstico e as taxas de sucesso do tratamento, pois certamente os tumores crescem nesse intervalo”.
A corrida contra o relógio no tratamento do câncer
Como a doença envolve um risco real e crescente de morte quando o diagnóstico e o início da terapia são retardados, a urgência no tratamento do câncer se tornou lei federal (nº 12.732) em 2012. Ela determina que todo paciente com diagnóstico de câncer no SUS tem direito a iniciar o tratamento em até 60 dias.
Embora já exista literatura mostrando que, na prática, a Lei dos 60 Dias não é cumprida de maneira uniforme, o estudo atual decidiu focar especificamente no câncer de mama ER+ não metastático. O objetivo foi avaliar disparidades em um cenário no qual cada dia de atraso pode impactar o resultado do tratamento.
Para isso, a equipe de integrantes do Grupo Brasileiro de Estudos em Câncer de Mama analisou dados de 774 mulheres com câncer de mama ER+ não metastático (estágios I-III) que, após a retirada do tumor ou da mama, permaneceram em terapia endócrina adjuvante por pelo menos seis meses.
Inseridos entre junho de 2021 e março de 2024 na plataforma REDCap — um sistema digital seguro criado na Universidade Vanderbilt (EUA) —, os dados incluíam informações clínicas como idade, tipo de tratamento, tempo entre diagnóstico e início da terapia, estágio do tumor, entre outros.
O estudo demonstrou que “o tempo médio entre diagnóstico e início do tratamento foi de 93 dias no sistema público versus 41 dias no sistema privado”. É uma realidade preocupante, sobretudo por se tratar de um câncer potencialmente curável em que atrasos podem transformar cura em recidiva.
A importância do diagnóstico precoce e início rápido do tratamento
Quando o estudo atual foi iniciado, já havia uma base robusta de evidências mostrando que pacientes do setor público no Brasil enfrentam tempos de espera significativamente maiores do que os do setor privado para começar o tratamento oncológico — tanto para câncer de mama quanto para outros tipos.
Para Barroso de Sousa, não existe uma causa única para esses atrasos no SUS, mas uma série de fatores. “Existem sistemas mais organizados e sistemas menos organizados. A questão, para a paciente, é sair de um especialista e ir para outro, como se começasse em uma nova fila”, afirma o pesquisador.
Nesse sentido, o diferencial do estudo é que ele quantifica essa disparidade com dados recentes e específicos de um subtipo de câncer de mama (ER+ em estágio inicial), o que evidencia como a desigualdade afeta não só o acesso, mas também o início da terapia endócrina adjuvante, crucial para evitar recorrências.
Embora o SUS seja “um grande avanço populacional para o nosso sistema”, afirma o oncologista, dados recentes do Instituto Nacional do Câncer (INCA) confirmam “que uma grande parte da população não tem seu direito legal respeitado de começar o tratamento oncológico em até 60 dias após o diagnóstico”.
Para ele, o ponto mais importante da questão levantada no estudo — e que é o cerne da campanha Outubro Rosa — é que “possamos ter diagnósticos precoces, para aumentar consideravelmente a taxa de cura e também a realização de tratamentos menos complexos e menos agressivos”, conclui.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br