Obsessão por músculos: quando busca pelo corpo perfeito vira transtorno?

Obsessão por músculos: quando busca pelo corpo perfeito vira transtorno?
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Pesquisador compartilha experiência pessoal com dismorfia muscular, condição que o levou a pesar folhas de alface e se isolar socialmente

A rotina de exercícios de George Mycock havia saído do controle. Aos 22 anos, ele tinha pavor de ganhar gordura corporal, mas estava ansioso para desenvolver mais músculos. Controlava sua alimentação de forma tão minuciosa que chegava a pesar folhas de alface. E se exercitava — muito mais do que deveria, na verdade.

“Se eu reduzisse pela metade, ainda assim estaria fazendo o mesmo, se não mais, do que qualquer outra pessoa que eu conhecia que frequentava a academia”, conta Mycock.

Por mais que se esforçasse, nunca se sentia satisfeito. Pelo contrário, frequentemente sentia que simplesmente não tinha a disciplina ou o caráter necessário para alcançar seus objetivos corporais em constante mudança. Sentia-se um fracassado.

Em seguida, começou a se afastar dos amigos na universidade e passou a acreditar cada vez mais que as pessoas estariam melhor sem ele. Estava tendo pensamentos suicidas quando uma amiga apareceu inesperadamente para ver como ele estava.

“Comecei a chorar na frente dela… Contei a ela o quanto eu estava me sentindo mal”, conta Mycock.

Esse foi o momento decisivo. “Na época, eu não sabia exatamente que estava relacionado ao meu corpo ou à alimentação. Só sabia que me sentia horrível. Achava que era um perdedor patético. E ela me convenceu a buscar ajuda.”

Mycock nunca recebeu um diagnóstico formal da condição — ele conhece apenas uma pessoa que recebeu. Mas sete anos depois, como pesquisador na área e doutorando na Universidade de Worcester, no Reino Unido, ele entende sua experiência como dismorfia muscular, às vezes chamada de “vigorexia“.

O que é dismorfia muscular?

“A dismorfia muscular ocorre quando um indivíduo se torna obcecado em ficar musculoso”, explica Jason Nagata, professor associado de pediatria da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, São Francisco. Nagata é o autor principal de uma revisão sobre a condição publicada na terça-feira (2) no The Lancet Child & Adolescent Health.

A condição frequentemente passa despercebida e os comportamentos associados a ela podem até ser elogiados, mas não se trata apenas de vaidade, afirma Mycock. É uma condição de saúde mental que pode ter sérias consequências.

Este tipo de dismorfia pode incluir comportamentos extremos de exercício, preocupação em ser “muito magro” mesmo quando a pessoa é objetivamente musculosa, e o uso de drogas para melhorar o desempenho ou a aparência.

A dismorfia muscular é considerada parte de uma família de transtornos alimentares e de imagem corporal que são frequentemente estereotipados como restritos a mulheres jovens, brancas e magras. Mas podem acontecer com qualquer pessoa – e às vezes passam despercebidos porque podem se assemelhar a comportamentos que a sociedade elogia.

“Com moderação, o exercício é saudável, e o objetivo é encontrar atividades que sejam prazerosas e sustentáveis a longo prazo”, afirma Nagata. “Mas com a dismorfia muscular, os treinos podem passar de algo positivo para algo que causa mais estresse do que alegria.”

Muitas pessoas, especialmente homens jovens, encontram alegria e comunidade na academia quando vão se exercitar, mas algumas pessoas podem exagerar.

Em vez de ansiar por um treino, pessoas com dismorfia muscular podem se sentir compelidas a ir porque se preocupam em perder uma sessão. Ganhar músculo pode começar a interferir no trabalho, nos estudos ou em seus relacionamentos, segundo Nagata. Pessoas com essa condição também podem se afastar de eventos sociais ou de suas atividades habituais devido a preocupações com sua aparência.

“Quando o exercício começa a dominar sua vida em vez de apoiá-la, isso é um sinal de alerta”, diz. O domínio do exercício sobre a vida de uma pessoa não é sem consequências.

A dismorfia muscular está ligada a um maior risco de depressão, ansiedade, uso de substâncias e, às vezes, risco de suicídio, diz Nagata. E as drogas para melhorar o desempenho –– como esteroides anabolizantes –– podem ter consequências para a saúde do cérebro, como irritabilidade, agressão e paranoia.

O exercício em excesso também pode levar a lesões musculares ou articulares. O uso de esteroides também pode danificar os rins e o fígado e aumentar o risco de doenças cardíacas.

É difícil identificar quando o desejo de ser musculoso se transforma em um transtorno, porque muitas pessoas recebem a mensagem cultural de que a aparência é importante para o status social e oportunidades de relacionamento, segundo Kyle Ganson, professor assistente da Faculdade Factor-Inwentash de Serviço Social da Universidade de Toronto.

“Para muitos jovens, eles acreditam que seus corpos precisam ter uma aparência específica para serem bem-sucedidos”, afirma.

Quem está em risco?

Meninos e homens jovens estão particularmente em risco de desenvolver dismorfia muscular devido às pressões sociais específicas impostas sobre seus corpos.

“A maioria dos meninos tem geralmente um impulso maior pela muscularidade, eles querem ir à academia, querem ser mais musculosos com base no ideal do corpo masculino”, explicou Ganson.

O levantamento de peso e o fisiculturismo aumentam o risco, segundo Nagata.

“Atletas competitivos são especialmente vulneráveis, e o risco é ainda maior quando o treinamento está focado em mudar a aparência em vez de melhorar o desempenho”, afirma. “Essas pressões relacionadas à forma física podem tornar certos atletas mais suscetíveis a desenvolver relações não saudáveis ou obsessivas com seus corpos.”

O problema de Mycock com o condicionamento físico começou quando ele machucou a coluna jogando rúgbi aos 13 anos e teve que ficar um ano afastado da escola para se recuperar. Quando retornou, percebeu que seus colegas não o tratavam da mesma forma

Segundo ele, pessoas que costumavam conversar com ele quando tinha um corpo menor e mais musculoso, de repente pararam de se comunicar tanto.

Porém, quando começou a tentar perder peso, passou a receber mais elogios, a ponto de seu cirurgião ortopédico brincar sobre ele ir ensinar outros pacientes como fazer.

“Mas ele não sabia que, naquele momento, eu estava praticamente me matando de fome e me exercitando várias vezes ao dia”, diz Mycock.

Mycock explicou que sua relação com o corpo não estava apenas ligada à sua identidade como atleta, mas também às ideias de masculinidade.

Segundo ele, os influenciadores fitness que seguia nas redes sociais difundiam a mensagem de que qualquer um poderia alcançar o corpo masculino ideal, bastando apenas trabalhar duro o suficiente, ter disciplina e ser “homem o bastante”.

Mas quanto mais rigoroso Mycock ficava com sua dieta e exercícios, mais distante ficava seu objetivo.

“Toda vez que eu conseguia atingir minha meta, minha mente dizia: ‘OK, isso agora é algo que posso fazer, portanto não é mais bom o suficiente, e preciso fazer mais'”, relatou.

Isso faz sentido, pois o uso de redes sociais está associado à insatisfação muscular e ao uso de esteroides, afirma Nagata.

“Os corpos masculinos estão mais expostos do que nunca nas redes sociais, especialmente através de contas de influenciadores”, acrescenta por e-mail. “Garotos rolam por um feed infinito de físicos hipermusculosos e ultra-magros, frequentemente muito filtrados ou selecionados entre centenas de fotos, o que cria uma pressão constante para se equiparar.”

Quando Mycock não conseguia alcançar o sempre distante objetivo do corpo masculino definitivo, a mensagem que recebia era que ele simplesmente não era bom o suficiente como pessoa.

Como tratar a “vigorexia”?

Há muito que os pesquisadores ainda não sabem sobre a dismorfia muscular. Os dados sobre a prevalência são limitados, mas dois estudos na Austrália e América do Norte estimam que 2% a 3% dos meninos atendem aos critérios para dismorfia muscular, segundo Ganson.

Um dos problemas para obter mais informações sobre o transtorno é que as pessoas que têm dismorfia muscular provavelmente têm a academia e o desenvolvimento muscular tão incorporados em suas vidas, que é menos provável que interrompam sua rotina para buscar ajuda.

Também é difícil determinar o melhor tratamento, pois a condição se assemelha ao transtorno dismórfico corporal e a comportamentos de transtornos alimentares.

Práticas alimentares e ciclos de ganho e perda de peso, por exemplo, podem se transformar em transtornos alimentares, afirma Ganson.

A terapia cognitivo-comportamental seria provavelmente a primeira linha de defesa, segundo ele. Mas tratamentos com base familiar, como os utilizados para adolescentes com transtornos alimentares, também podem trazer benefícios, de acordo com Nagata.

De qualquer forma, considerando os possíveis impactos na saúde física e mental, pessoas preocupadas com a possibilidade de terem dismorfia muscular devem buscar ajuda profissional.

Um terapeuta ou profissional de saúde pode ser um bom ponto de partida.

Idealmente, o suporte deve vir de uma equipe interdisciplinar que inclua profissionais de saúde mental, médicos e nutricionistas, diz Nagata. A recuperação desta condição não é linear.

Hoje, Mycock consegue se alimentar e se exercitar de uma forma que considera saudável e equilibrada, mas a imagem corporal ainda é algo que exige atenção, segundo ele.

Ainda existem momentos em que ele se sente inseguro, mas o trabalho com um conselheiro o ajudou a não fazer dos sentimentos sobre seu corpo o alicerce de toda sua vida.

“Anteriormente, minha vida era construída sobre um pilar, e a base desse pilar era a aparência do meu corpo e como as pessoas o viam, e tudo mais, como quem eu era, era construído em cima disso”, afirma. “Então, quando algo acontecia com isso… minha vida inteira desmoronava.”

Seu conselheiro o ajudou a mudar sua perspectiva para que seu corpo seja apenas um tijolo na pirâmide de sua vida.

“Agora eu também gosto do fato de ser engraçado, de ser um bom amigo e um bom companheiro”, diz Mycock. “Nos dias em que meu corpo não está como eu gostaria, ou me sinto inseguro sobre ele, não importa, porque tenho todas essas outras coisas que gosto em mim mesmo.”

 

 

 

Fonte: www.cnnbrasil.com.br


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