Desde que o remake de “Vale Tudo” estreou na Globo, a personagem Odete Roitman dividia opiniões. Interpretada agora por Débora Bloch, a bilionária vilã vinha sendo lida por parte do público como uma figura “sincera”, “realista” e até “necessária”, com críticas duras a filhos “encostados” e uma visão elitista que, para alguns, soava como lucidez dentro do caos da novela.
Mas essa percepção começou a ruir nesta segunda-feira (19), quando uma fala racista da personagem jogou luz de vez sobre quem Odete é e sempre foi. A cena escancarou um dos traços mais perversos da vilã, reacendendo memórias da versão original de 1988 e, ao mesmo tempo, colocando a nova adaptação diante de um desafio: como lidar com o racismo estrutural em um produto de entretenimento popular?
A resposta da autora Manuela Dias foi clara, incômoda e necessária.
No diálogo que marcou o capítulo, Celina (Malu Galli) questiona a irmã Odete sobre sua aceitação repentina de Maria de Fátima (Bella Campos) como possível nora. Fátima é negra — o que, à primeira vista, pareceria um obstáculo para a elitista Roitman. Mas a resposta da vilã revelou muito mais do que uma simples contradição: “Todo mundo pode ter a sua função, Celina. O que importa é que as pessoas façam o que eu quero. E ela nem é tão preta assim”.
A fala carregada de um racismo velado e funcional escancarou o pensamento seletivo e perverso que ainda rege parte da elite brasileira. Odete não deixou de ser racista, apenas tolerou a presença de uma mulher negra em seu círculo, desde que obediente, útil e, segundo seus próprios critérios, “aceitável” visualmente. A escolha da autora de colocar essa frase na boca da personagem foi cirúrgica: não há espaço para dúvidas sobre quem é Odete Roitman.
Se antes havia uma certa hesitação do público em “cancelar” a vilã — até com comentários de que “essa versão está mais light” —, após o episódio, a reação foi imediata. No X (antigo Twitter), internautas comemoraram o momento em que, finalmente, a personagem deixou claro por que merece ser odiada. “Finalmente deram motivos pra odiarmos a Odete Roitman”, escreveu um perfil. “O ‘ela nem é tão preta assim’ redimensionou toda a cena”, avaliou outro. “Pesado, mas infelizmente comum entre a elite brasileira”, expressou um terceiro.
A percepção coletiva foi de que Manuela Dias trouxe para a tela uma representação dura, porém fiel, de como o racismo opera em espaços de poder. A personagem não foi suavizada. Ela esperou o momento certo para mostrar suas verdadeiras cores. E isso resgata a essência da Odete Roitman original, que em 1988 dizia com todas as letras: “O Brasil é uma mistura de raças que não deu certo”. Uó!
Parte da tensão na cena também gira em torno da relação de Odete com Fátima. A jovem, interpretada por Bella Campos, se alia à vilã com o objetivo de separar Solange (Alice Wegmann) de Afonso (Humberto Carrão), filho da bilionária. Ao mesmo tempo, Odete manipula a moça para afastar Ivan (Renato Góes) de sua filha Heleninha (Paolla Oliveira).
A união entre duas personagens femininas, inteligentes e determinadas, poderia render uma dinâmica poderosa. Mas Manuela Dias optou por um caminho mais complexo: expôs como até essas alianças estão sujeitas a hierarquias raciais. A cor da pele de Fátima não passa despercebida para Odete, apenas vira uma variável estratégica.
Fonte: www.purepeople.com.br