Glifosato está com os dias contados na UE?

Glifosato está com os dias contados na UE?
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Agrotóxico mais vendido do mundo mata plantas e, segundo a OMS, é provavelmente cancerígeno. A licença para uso na União Europeia está chegando ao fim, mas há quem resista. Quais os impactos da decisão?

Durante aplicação na lavoura, agrotóxico se espalha pelo ar, penetra no solo, contamina águas superficiais e subterrâneas

A licença para uso do glifosato na União Europeia termina em dezembro. Os países-membros do bloco estão atualmente debatendo sobre uma prorrogação da permissão e querem votar sobre o tema em outubro, numa comissão especial. O Ministério da Agricultura alemão critica a extensão da licença, classificando a medida como injustificada.

O que é glifosato?

O glifosato foi disseminado pela Monsanto a partir de 1974. A empresa química americana misturou o composto orgânico de fósforo com outras substâncias e vendia o produto como herbicida sob o nome Roundup.

Antes da semeadura, os agricultores borrifam seus campos com o produto, as partes verdes (como folhas e caules) o absorvem e as plantas morrem. O método impede o crescimento de ervas daninhas e elimina a competição prejudicial ao crescimento das culturas.

Os pesticidas que contêm glifosato são agora produzidos por várias dezenas de empresas químicas em todo o mundo. A alemã Bayer comprou a Monsanto em 2018 e tem “uma posição de liderança” no ranking global, segundo o porta-voz da Bayer, Utz Klages.

Qual o problema do glifosato?

A morte das plantas silvestres nos campos priva os insetos de seu habitat, e os pássaros, por exemplo, de seu alimento. “O herbicida destrói a base alimentar dos animais”, explica Jörn Wogram, chefe do departamento de produtos fitofarmacêuticos da agência de proteção ambiental do Ministério do Meio Ambiente alemão. Portanto juntamente com outros pesticidas, o glifosato ameaça a biodiversidade.

Segundo estudos, a substância também afeta bactérias, altera o material genético e o sistema nervoso e pode, portanto, causar sérios danos diretos a animais e seres humanos. Um estudo da Universidade de Ulm constatou grandes malformações em girinos, com distúrbios no cérebro, coração, olhos, cartilagem craniana e formato do corpo causados pelo agrotóxico.

Ao ser borrifado, o veneno se espalha pelo ar, penetra no solo, contamina águas superficiais e subterrâneas e pode ser encontrado em alimentos, urina e leite materno.

Pesticidas contendo glifosato são usados em grande quantidade, por exemplo, na produção de soja na Argentina, com consequências para a saúde humana: “Podemos ver claramente que há mais doentes por causa do glifosato: em certas regiões rurais triplicou a probabilidade de ter câncer”, diz Medardo Ávila Vázquez, médico do Hospital Universitário de Neonatologia de Córdoba (Argentina) e coautor de um estudo sobre câncer relacionado ao uso da substância.

Além disso, segundo outro estudo, o uso de glifosato em áreas de cultivo de soja aumentou de duas a três vezes o número de abortos espontâneos. E devido aos danos ao material genético, “o número de deformidades quadruplicou”, relata Ávila Vázquez.

Outros estudos também mostram mudanças no genoma. “Nós sabemos: o glifosato tem um efeito genotóxico. Diversos estudos com humanos e com animais confirmam isso. Pudemos detectar que quanto maior o nível e o período de exposição, maior o risco”, explica a pesquisadora de oncologia Luoping. Zhang, da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos.

Quão perigoso é o glifosato?

Zhang avaliou estudos sobre câncer relacionados ao glifosato, particularmente linfomas não-Hodgkin, um tipo de câncer linfático. “Indivíduos expostos ao glifosato têm um risco 41% maior de desenvolver linfoma não-Hodgkin. Esta é a principal conclusão do nosso estudo.”

Outros estudos independentes mostram que o glifosato pode danificar o sistema nervoso causar mal de Parkinson: e que também danifica os microrganismos, alterando a composição vital das bactérias intestinais, com consequências para a saúde.

Como órgãos reguladores reagem aos estudos?

Em 2015 a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês), órgão da OMS, concluiu que o glifosato provavelmente é cancerígeno, com base em estudos independentes e publicados.

No entanto as autoridades nacionais é que são responsáveis ​​pela aprovação do glifosato. e baseiam-se quase exclusivamente nas informações fornecidas pelos fabricantes de pesticidas. Mas seus estudos não são divulgados e, portanto, não são revistos por cientistas independentes. Os cientistas há muito criticam essa prática de aprovação como “cientificamente inaceitável”.

A Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) avaliou recentemente o glifosato e não identificou quaisquer áreas problemáticas críticas para a saúde humana e animal. No entanto reconheceu faltarem dados para uma avaliação abrangente.

Cientistas independentes criticam o parecer da EFSA. O toxicologista Peter Clausing, da Pesticide Action Network (PAN), afirma que em sua avaliação o órgão está “abandonando o âmbito científico”.

Numa carta recente à comissária europeia para Saúde e Defesa do Consumidor, Stella Kyriakides, especialistas da PAN documentam como os reguladores europeus ignoraram estudos sobre o efeito cancerígeno  e danos ao DNA, acusando um “desrespeito imprudente pelo dever de proteger a saúde pública e o meio ambiente” por parte das autoridades de supervisão.

O que o fim do glifosato mudaria na UE?

Para toxicologistas, especialistas em saúde, ambientalistas e alguns agricultores, a expiração da autorização na UE seria um benefício para o meio ambiente e para a saúde.

Na agricultura, ele “daria início às mudanças progressivas necessárias, se acompanhado por medidas de acompanhamento”, prevê o toxicologista Clausing. “No entanto, como medida unilateral e isolada, a proibição do glifosato teria o potencial de aprofundar a crise da agricultura convencional.”

Os partidários de uma proibição consideram importante os agricultores receberem apoio na transição, com recursos financeiros da UE redirecionados para essa finalidade. Os agricultores devem ser incentivados a produzir alimentos de forma sustentável, o que protege “a biodiversidade e a saúde humana”, afirma Clara Bourgin, especialista em alimentação e agricultura da Friends of the Earth Europe, organização sediada em Bruxelas que reúne dezenas de ONGs ambientais da Europa.

“A agricultura orgânica mostra que é possível cultivar sem herbicidas como o glifosato, e desenvolveu inúmeras inovações para esse fim”, enfatiza Saskia Horenburg, da Federação Alemã dos Produtores de Alimentos Orgânicos. Estes incluem, por exemplo, novos tipos de grãos cujas folhas produzem bastante sombra, suprimindo o crescimento de ervas daninhas, assim como máquinas agrícolas pilotadas por GPS que removem as ervas daninhas de forma automática e precisa.

Ervas daninhas agora podem ser removidas sem produtos químicos, usando robôs controlados por GPS

Qual o impacto de uma prorrogação da licença?

A venda de pesticidas é importante para empresas químicas como a Bayer, que se recusa a fornecer números sobre as vendas de glifosato. De acordo com um grupo ativista Coordination gegen Bayer-Gefahren (Coordenação contra perigos da Bayer), as vendas rondam “cerca de 1 bilhão de euros” por ano. No entanto, a empresa afirma que já gastou 10 bilhões de dólares em disputas judiciais relacionadas a doenças causadas pelo glifosato.

O uso de glifosato e de outros herbicidas “estabiliza um sistema agrícola que não é globalmente sustentável e põe em perigo a concretização dos objetivos de sustentabilidade relacionados à proteção do meio ambiente”, afirma Jörn Wogram, do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha, condenando o atual estqado de coisas.

A decisão da UE também tem “sem dúvida um enorme significado” para os países do Sul Global, conforme a professora da USP Larissa Mies Bombardi, que elaborou um estudo sobre as consequências dos agrotóxicos no Brasil.

Ela avalia que uma proibição do glifosato na Europa teria grande impacto como sinal para o Brasil e outros países, onde lobistas comercializam pesticidas, argumentando que não causam problemas ambientais ou de saúde. Com a proibição na Europa, eles perderiam em credibilidade, acredita Bombardi. “A União Europeia pode dar o primeiro passo, eliminando os produtos tóxicos e garantindo que as regras no seu território possam ser estendidas ao mundo.”

Fonte:     dw.com


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