MT: Donos de hospitais queriam fim do lockdown para lucrar com UTIs

MT:  Donos de hospitais queriam fim do lockdown para lucrar com UTIs
Compartilhar

Polícia Civil investiga suposto cartel entre hospitais para potencializar faturamento na pandemia

Repugnante foi a palavra usada por investigadores da Polícia Civil de Mato Grosso ao descreverem, no texto do relatório policial, as mensagens trocadas entre médicos e donos de empresas que forneciam serviços de unidade de terapia intensiva para hospitais públicos de diversos municípios do estado.

Em uma conversa, o médico e empresário Renes Filho indica ao médico Gustavo Ivoglo que colocou pacientes em UTIs sem necessidade, por conta da ausência de enfermos provocada pelo lockdown na pandemia do coronavírus.

Ta dando um trabalho do cão pra deixar esses leitos ocupados, precisa ver o rolo que eu faço todo dia aqui

“Se o lockdown não acabar vai ser muito difícil manter a UTI cheia hein cara. Tá subindo uns pacientes lá que já já o pessoal vai questionar a gente do que esses pacientes estão fazendo lá [risadas]”, disse Renes.

As mensagens constam no inquérito sigiloso da segunda fase da Operação Espelho, realizada pela Polícia Civil em 24 de março deste ano, a que o Intercept teve acesso com exclusividade – e que revela a formação de um suposto cartel para fraudar licitações, desviar dinheiro público e realizar pagamentos indevidos a servidores públicos.

Ao todo, são investigadas 10 pessoas e oito empresas que teriam participado do esquema de corrupção que visava lucros indevidos com os contratos de UTIs a partir de 2019.

Durantes as investigações, tiveram os bens bloqueados por suspeita de enriquecimento ilícito os investigados: Marcelo Alécio da Costa, Rony de Abreu Munhoz, Luiz Gustavo Castilho Ivoglo, Euller Gustavo Pompeu de Barros Gonçalves Preza, Alberto Pires de Almeida, Osmar Gabriel Chemin, Renes Leão Silva Filho, Bruno Castro de Melo, Daoud Mohd Khamis Jaber Abdallah, Gabriel Naves Torres Borges e Catherine Roberta Castro da Silva Batista Morante. Outros nomes ainda estão sob investigação.

Também foram investigadas as empresas L.B. Serviços Médicos LTDA. (atualmente sob o nome de LGI Médicos LTDA), Intensive Care Serviços Médicos LTDA., Sugery MT, Bone Medicina Especializada, Curat Serviços Médicos Especializados LTDA., Samir Yoshio Matsumoto Bissi Eireli-ME e Medtrauma Centro Especializado em Ortopedia e Traumatologia LTDA.

Houve mandados de busca e apreensão, mas ninguém foi preso. Ao todo, essas pessoas acumularam  patrimônios que chegaram a R$33 milhões, segundo as investigações.

Entre os bens adquiridos pelo empresário Osmar Gabriel Chemin, sócio da Bone Medicina Especializada, por exemplo, estão duas fazendas localizadas no município de Cáceres, a cerca de 220 quilômetros de Cuiabá. Elas foram avaliadas em R$ 15 milhões e R$ 8,7 milhões, respectivamente.

Há também a aquisição de carros como um Porsche Cayman, modelo 2020/2021 pelo valor de R$ 572.140, comprado pelo empresário Gabriel Naves Torres Borges. Além de uma Mercedes Benz GLC300 modelo 2019/2020 de R$ 457.150, que pertence a Alberto Pires de Almeida, e caminhonetes modelos BMW, Hilux, de outros investigados.

Rony de Abreu Munhoz comprou um apartamento avaliado em R$ 670 mil no condomínio Brasil Beach Cuiabá, com uma praia artificial para os moradores. Terrenos e casas em condomínios glamourosos também fazem parte do patrimônio dos investigados.

Nas mensagens do ano de 2021 a que tivemos acesso, os médicos Gustavo Ivoglo, dono da L.B. Serviços Médicos, empresa que prestava serviços no Hospital Regional de Alta Floresta, da rede de saúde do estado, conversa com o médico e empresário Renes Filho.

Oferece R$10 mil por mês cara. Fala: Renata, você entra com a gente porque esses caras são muito filho da puta

“Ta dando um trabalho do cão pra deixar esses leitos ocupados, precisa ver o rolo que eu faço todo dia aqui, mas tá rolando com 100% de ocupação”, escreveu Filho. “aceita paciente sem muito prognóstico, pois infelizmente a gente precisa ter uma ocupação maior”, completou o médico. O Intercept optou por manter a redação das mensagens.

A ocupação maior seria necessária para que os médicos lucrassem com a UTI em Alta Floresta, a 789 quilômetros da capital, segundo relatório de análise dos celulares dos suspeitos realizado pela Polícia Civil. O lockdown no município só foi decretado por uma decisão judicial do dia 27 de março de 2021.

Da rixa ao pacto

O cartel de empresas de serviços médicos investigado pela Polícia Civil nasce justamente em Alta Floresta. As empresas do grupo em torno da L.B. Serviços Médicos Ltda. eram, até então, rivais das empresas do grupo da Bone Medicina Especializada Ltda. – elas são duas das principais investigadas na Operação Espelho.

Com uma população estimada de 52 mil pessoas, de acordo com o IBGE. Alta Floresta registrou 18 mil casos de covid-19, segundo dados do Ministério da Saúde. Em março de 2021, período em que os investigados traçavam estratégias para conseguir contratos no município, a pequena cidade no norte de Mato Grosso estava entre os 16 municípios com risco alto para a covid-19.

A Bone Medicina Especializada Ltda., liderada pelos médicos Osmar Chemim e Alberto Pires de Almeida, ganharam um contrato em Alta Floresta, o que causou fúria no grupo concorrente, de propriedade de Gustavo Ivoglo e Renes Leão Filho. Em conversas, os dois planejam denunciar eventuais mortes que ocorreram nas UTIs do grupo da empresa Bone Medicina Especializada e oferecer R$ 10 mil por mês para a diretora do Hospital Regional de Alta Floresta prejudicar a nova empresa contratada, de acordo com os investigadores.

“Oferece R$10 mil por mês cara. Fala: Renata, você entra com a gente porque esses caras são muito filho da puta e vão fazer tudo errado e vai foder vocês. A gente dá R$ 10.000,00 por mês pra você me ajudar. Só fazer o certo, entendeu!?”, orientou Luiz Gustavo Ivoglo em áudio.

Em seguida, ele sugeriu para Renes, pertencente ao mesmo grupo empresarial,  assumir o hospital: “Renes assume a direção técnica. Pago a Renata com dinheiro p COVID. Pede p ela pedir afastamento. Kkkk”, disse a mensagem enviada na madrugada de 26 de março de 2021.

Dois dias depois, porém, o problema foi resolvido. Em uma reunião entre Osmar Chemim e Gustavo Ivoglo, os dois grupos selam a paz. Com o acordo, os empresários do mesmo grupo em torno da L.B. passaram a administrar o Hospital de Alta Floresta, apesar da Bone ter vencido a licitação. Nascia o cartel, segundo a polícia.

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).

Fonte:    midianews.com.br


Compartilhar
0 0
Happy
Happy
0 %
Sad
Sad
0 %
Excited
Excited
0 %
Sleepy
Sleepy
0 %
Angry
Angry
0 %
Surprise
Surprise
0 %