Os fatores que contribuem para ataques em escolas, segundo especialistas

Os fatores que contribuem para ataques em escolas, segundo especialistas
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Embora tenha sido citado por autoridades como um crime isolado, o ataque a uma creche em Blumenau (SC), que deixou quatro crianças mortas e outras cinco feridas na quarta-feira (5/4), é mais um episódio que faz parte de um aumento preocupante de crimes semelhantes.

Uma reportagem da BBC mostra que, somente em 2022 e 2023, o número de ataques em escolas no Brasil já supera o total registrado nos 20 anos anteriores, segundo pesquisadores.

A BBC News Brasil ouviu especialistas em educação e segurança pública sobre possíveis fatores que contribuem com a explosão de ataques às escolas.

Conteúdo criminoso nas redes sociais

A socióloga Carolina Ricardo, diretora do Instituto Sou da Paz, avalia que a mudança na forma de socialização dos jovens, que agora é intensamente intermediada pelas redes sociais, aumentou o contato de alguns com comunidades que propagam ideologias criminosas.

“Não necessariamente todos os casos estão ligados a isso, mas sabemos que tem acontecido uma radicalização crescente do uso das redes com o surgimento de grupos de ódio.”

Carolina aponta que o efeito que discursos violentos podem ter são intensificados quando conseguem atingir pessoas que sofrem bullying ou se sentem excluídas da sociedade.

“Pode ser o caso de jovens e crianças que querem se vingar de alguma situação que passaram, e com uma comunidade de ódio que incentiva crimes, é um bom combinado para facilitar a ocorrência desse tipo de ataque.”

Para Fernando Cássio, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a ideologia violenta é estrutural no país.

“O Brasil, por exemplo, ao contrário do seu vizinho ao sul, a Argentina, é um país que não não lidou, por exemplo, com a memória da ditadura militar, que não puniu torturadores, que não fez um trabalho de memória básico, elementar para conseguir superar alguns elementos violentos. Esse recrudescimento de células neonazistas, de discursos fascistas e de ódio, reflete uma sociedade que não educou seu povo em como enfrentar esse tipo de coisa.”

O especialista reforça que o bullying não pode ser considerado um fator principal.

“O bullying sempre existiu, mas jovens e adultos não estavam entrando em escolas armadas, matando as pessoas. O sofrimento psíquico tem várias formas de ser expressado e não é o único causador do que vem acontecendo. Estamos diante de um problema muito mais complexo.”

Idolatria a criminosos do passado

Nas comunidades citadas pela socióloga, conteúdos como textos, fotos e vídeos com elogios e celebração a autores de ataques a escolas e à violência cometida por eles circulam livremente.

Outra reportagem recente da BBC News Brasil mostra que se trata de posts de fácil acesso, disponíveis em plataformas como Twitter e TikTok.

Entre os perfis que cultuam esses assassinos na internet, um dos elementos comuns mostrados em imagens é uma máscara, muitas vezes impressa em uma bandana. É a mesma peça usada pelo autor do massacre em Suzano e pelo jovem de 13 anos que atacou uma escola no início da semana passada. Segundo pesquisadores, é um símbolo da supremacia americana.

Exibição de detalhes dos ataques é prejudicial à prevenção de outros possíveis atos

Exposição de detalhes dos crimes

“É muito comum que casos passados, como a tragédia de Suzano, seja referência para outros ataques. E uma parte de quem está envolvido nesse tipo de crime busca visibilidade, justamente porque essas comunidades de ódio incentivam e valorizam.”

O professor Fernando Cássio repudia os detalhes exibidos pela imprensa em crimes do passado.

“Nós estamos falando de pessoas que estão ali vendo o quarto do assassino, as mensagens que ele escrevia, seu quarto, seus pôsteres, sua memorabilia nazista… Esse tipo de informação, que choca e que atrai, também alimenta esses desejos recônditos de possíveis agressores que ainda não transformaram suas vontades em realizações. É possível prestar um serviço de interesse público informacional, sem levar a água para o moinho do ódio, do discurso fascista.”

Carolina Ricardo aponta que, muitas vezes, uma criança que é invisibilizada busca se tornar um jovem visível por conta desse tipo de violência, então, mostrar detalhes do crime em redes sociais, reportagens ou qualquer outro meio pode servir como uma forma de incentivo.

“Não acho que os ataques acontecem por causa disso, mas assim como há um gatilho para casos de suicídio, que também exigem cuidado na divulgação, se tem algo criminoso sendo planejado por uma pessoa, ver outro massacre acontecendo pode ser um tipo de incentivo. Por isso é necessário responsabilidade na forma como se cobre e se divulga esse tipo de crime.”

Cultura de armas

Embora nem todos os casos de violência em escolas ocorram com armas de fogo, a socióloga Carolina Ricardo avalia que são agentes importantes desse tipo de violência.

“Parte importante do problema é a facilitação do acesso às armas no Brasil. Embora não seja nada comparável ao quão fácil é comprar uma arma nos Estados Unidos, por exemplo, nos últimos anos, se facilitou e incentivou muito o uso de armas. Para alguns, as armas passaram a ser vistas como fator de prestígio.”

Adolescentes são muito mais suscetíveis a discursos extremistas

Vulnerabilidade de jovens à ideologias extremistas

Na avaliação da psiquiatra Danielle Admoni, os adolescentes são muito mais suscetíveis a discursos extremistas que podem os colocar — e outras pessoas — em risco.

“Eles não têm todos os circuitos cerebrais formados e nem a experiência que os adultos têm. Em paralelo, há uma necessidade em se identificar com grupos — é parte da sua sobrevivência social dentro do ambiente em que vivem”, disse Admoni, que atua no Hospital da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e é especialista em infância e adolescência, em entrevista à BBC News Brasil em fevereiro.

“Isso faz com que eles sejam mais vulneráveis a embarcar em ideias para se sentirem aceitos, inclusive a aceitar ideologias extremas — independentemente do espectro político — em situações que nós adultos já identificamos como algo que passa dos limites. É um conjunto que os coloca com maior predisposição de se colocar em situações de risco.”

O sociólogo Cezar Bueno de Lima, pesquisador da violência em escolas e professor dos cursos de Ciências Sociais da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), complementou apontando que, na visão dele, a crescente manifestação de ideias antidemocráticas no Brasil influencia nos ataques e tentativas de atentados que o país tem registrado nos últimos anos.

“Não há dúvidas de que os adolescentes são suscetíveis à sociedade no modo geral. Existe uma tendência polarização política e externalização da violência no mundo, e o Brasil não é indiferente a isso.”

Falta de suporte nas escolas

“Hoje não temos, nem como sociedade e nem poder público, habilidades de lidar com esses novos fenômenos. Não podemos responsabilizar as escolas, não é disso que se trata, mas faltam profissionais capacitados para isso, falta estrutura de saúde mental. Precisamos de uma nova política pública, capaz de olhar escola, família, comunidade escolar para conseguir identificar esses casos de bullying, violência, e saber como agir.”

“Ajudar a família a supervisionar melhor os adolescentes no uso das redes sociais. Então, esse novo desafio impõe novas necessidades e repertórios que a nossa escola, que as famílias em que o poder público não tem. Acabamos ficando sem saber exatamente o que fazer”, conclui Carolina Ricardo.

Para o professor Fernando Cássio, para que sejam implementadas de forma efetiva, as políticas públicas precisam considerar a complexidade do problema, o que, na avaliação dele, não é feito por vários Estados.

“Muitos são incapazes de reconhecer que os crimes têm relação com o discurso de ódio e com a cultura das armas. Os Estados Unidos estão aí para nos mostrar. A solução mais óbvia que esses grupos encontram é policiar as escolas, colocar policiais aposentados e armados dentro do ambiente escolar. Isso é ineficiente e até ofensivo para as escolas, é não enxergar o que está por trás.”

Fonte:  bbc.com


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