Por que agricultores europeus sofrem distúrbios psicológicos

Por que agricultores europeus sofrem distúrbios psicológicos
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Fazendeiros têm ido às ruas contra cortes de subsídios. Mas também se dizem duplamente impactados: tanto pelos efeitos das mudanças climáticas como pelas políticas para conter aquecimento global

Tratores ocupam Bruxelas: agricultores de toda a Europa reclamam de esgotamento e sofrimento mental

Jürgen Donhauser não está acostumado com as dificuldades da vida agrícola. A fazenda de seu filho, localizada uma hora a leste de Nurembergue, Alemanha, é da família há gerações. Mas quando ele assumiu o cargo de pastor evangélico há alguns anos, os agricultores locais começaram a lhe contar sobre o estresse e a incerteza financeira do trabalho que fazem. As histórias deles chocaram o religioso.

Alguns precisavam de álcool para conseguir dormir, para esquecer os temores de perder tudo. “Depois, há outras histórias como: ‘Se tudo isso acabar, vou me enforcar na próxima árvore'”, lembra Donhauser. Ser responsável pelo fechamento de uma fazenda que está na família há 10 ou até 15 gerações é um fardo muito pesado: a pressão que esses agricultores enfrentam é “brutal”, segundo o pastor.

Pressão crescente em todo o continente

Recentemente, foi a fúria dos agricultores europeus em protesto que ganhou as manchetes – encapsulada em imagens de comboios de tratores buzinando e pilhas de pneus em chamas do lado de fora do Parlamento Europeu.

Mas pesquisadores estão documentando o lado mais silencioso e invisível dessa história. Seus estudos sugerem que muitas das pressões que levam às ruas – como a política climática, a regulamentação, o aumento dos custos e a queda dos preços dos produtos agrícolas – também estão prejudicando a saúde mental dos agricultores.

Uma pesquisa com mais de 250 agricultores irlandeses constatou que 20% tiveram pensamentos suicidas nas duas semanas anteriores e quase 40% relataram ter sofrido estresse de moderado a extremamente grave. No norte da Bélgica, quase metade dos 600 agricultores pesquisados afirmou que seu trabalho causava sofrimento mental. E na Alemanha e na Áustria, mais de um quarto relatou estar sofrendo de esgotamento – o dobro da taxa observada na população em geral.

Estresse com aquecimento global e política climática

Embora as razões por trás dos problemas de saúde mental sejam complexas, os pesquisadores dizem que uma grande pressão que identificaram é a política climática.

Estima-se que 10% dos gases de efeito estufa da União Europeia sejam provenientes do setor agrícola, em grande parte produzidos pelo gado e pelos fertilizantes usados na terra, que liberam metano e óxido nitroso. Ambos são gases potentes que impulsionam o aquecimento do planeta. Os pesticidas usados pelos agricultores para manter a estabilidade das plantações também estão sendo criticados por causar perda desastrosa de biodiversidade.

Mas para alguns agricultores as políticas climáticas que visam reduzir essas emissões estão sendo aplicadas de uma forma que os coloca em situações difíceis

Pesquisadores sugerem que agricultores devem ter mais acesso a apoio à saúde mental

Sebastian Luhmer, que administra uma fazenda orgânica ao sul de Bonn, no oeste da Alemanha, diz que as normas da UE para reduzir em 20% o uso de fertilizantes são uma dor de cabeça.

Os fertilizantes a base de nitrogênio são responsáveis por cerca de 5% do total de gases de efeito estufa e também poluem os lençóis freáticos. Mas Luhmer ressalta que impedir os agricultores de usá-los durante os meses de inverno apresenta enormes desafios logísticos para a administração de uma fazenda. Em parte por abreviar ainda mais o período para uso de fertilizante do que já ocorre atualmente por causa das mudanças climáticas.

Luhmer enfatiza que não é contra a política climática: ressalta que, na verdade, agricultores como ele estão entre os mais prejudicados pelas mudanças climáticas, já que seca e as estações cada vez mais imprevisíveis são agora uma realidade.

Além disso, ele está sendo pressionado pelo aumento dos custos e por regulamentações de construção mais rígidas, que restringem tanto o planejamento como a margem de lucro. Antes, seu avô podia comprar um trator com o faturamento de uma boa colheita, ele exemplifica: mas atualmente nem mesmo 10 colheitas são suficientes.

“Bodes expiatórios”

Muitos agricultores dizem que o plano de eliminar gradualmente os subsídios agrícolas – que levou milhares de agricultores às ruas na Alemanha e na França – foi apenas a gota d’água.

Donhauser sublinha que a geração de agricultores de seu pai foi instruída, após a Segunda Guerra Mundial, a “dar tudo de si para que não precisássemos mais passar fome”. Mas agora ele acredita ter desaparecido todo o respeito pelo papel dos representantes da categoria enquanto administradores da terra e fornecedores de alimentos. “Estamos constantemente sendo criticados, e isso é exaustivo. Quem quer ser chamado de assassino de insetos, envenenador de poços, torturador de animais? É claro que isso afeta a pessoa.”

A guerra dos agricultores com a UE

As manchetes contribuem para responsabilizar os agricultores de forma desproporcional pela crise climática, destaca Louise McHugh, professora de psicologia da University College Dublin e colíder do estudo sobre saúde mental dos agricultores irlandeses.

Aqueles com que ela conversou para seu estudo estavam motivados a se envolver em práticas e políticas inovadoras que abordassem a mudança climática, mas achavam que essas têm também que incluir suas vozes e, principalmente, ser viável do ponto de vista prático.

Ela afirma que o setor agrícola talvez seja mesmo um dos primeiros afetados, em termos de adaptação às mudanças climáticas. “Precisamos considerar a saúde mental e todas as mudanças que todos nós teremos de enfrentar nos próximos anos, num mundo em constante mudança”, antecipa McHugh. Por isso, uma das iniciativas já em curso é a oferta de módulos sobre saúde mental nas faculdades de ciências agrícolas.

Em busca de soluções

Garantir que os agricultores recebam mais informações e tenham a oportunidade de dialogar também é importante, na opinião de Franziska Aumer, que está estár fazendo um de profissionalização como produtora de leite na Baviera, sul da Alemanha.

Ela é uma das três jovens fundadoras da Ackerschwestern (“irmãs do campo”). Trata-se de uma campanha de informação criada em 2021 como reação aos políticos de extrema direita que tentam, segundo elas, explorar o desespero dos agricultores.

Tem sido um caminho difícil. Desde a fundação da campanha, cada uma delas conheceu um fazendeiro que tirou a própria vida. “No meu caso, foi um rapaz jovem, com 25 anos de idade. Ele era cheio de vida. Ele lutou por sua fazenda durante anos.”

Aumer conta que seu amigo, que era holandês, perdeu sua fazenda, assim como muitos outros fazendeiros na Holanda, em consequência das regulamentações mais rígidas sobre emissões de nitrogênio.

Apesar das histórias trágicas que vivenciou e dos desafios que o setor enfrenta, Aumer diz que desistir não é uma opção para ela. “Espero que os políticos e a sociedade nos valorizem e nos ofereçam apoio para que nossa profissão tenha um futuro. E para que não acabe destruindo os trabalhadores.”

Fonte:  dw.com


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